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Sobre livros, história da arte, Fortaleza e ódio sem motivo


Livros nunca foram referências para a formação do meu pensamento. Em uma escala de fontes de informação, o livro deve ocupar o terceiro ou quarto lugar. O motivo é simples: não gosto de ler. E não tenho vergonha ou pudor de dizer isso. Quando eu era criança e não conseguia ler os livros que o colégio receitava eu me sentia um imbecil. Quase sempre questionava: por qual motivo não pedem para ver um desenho animado? Não consigo me concentrar nas palavras e não me sinto emocionalmente envolvido. A imagem sempre foi meu maior foco de interesse. E não me venham dizer que livros também são visuais...Claro que essa minha birra com livros compromete minha escrita e leitura. Até hoje sou péssimo com as regras gramaticais. Nunca sei onde colocar uma vírgula. Porém, não me sinto defasado intelectualmente com relação a uma criatura que devora 8 livros por mês. Estou muito satisfeito com o conhecimento adquirido no cinema, na música e na Internet.

Escrevi tudo isso para finalmente falar bem de um livro (!). Quando estamos no campo acadêmico você tem apenas uma opção: ler os livros. Sendo assim, faço um esforço descomunal para ler um ou dois títulos de grandes teóricos. Dou meu jeitinho lendo mais artigos do que obras completas, mas ainda assim é um processo doloroso.

Nessa luta contra os livros, cheguei até “O fim da história da arte”. Hans Belting fica na linha tênue que separa os teóricos picaretas e exagerados dos teóricos geniais e provocadores. Belting me fez ter tantas dores de cabeça nesses últimos dias como nenhum teórico causou. Se eu já tinha os meus questionamentos raquíticos e sem fundamentação sobre a história da arte, o cara conseguiu trazer ainda mais problema para os dois lados do meu cérebro. Belting não tem o academicismo exacerbado de Argan, nem a chatice metódica de Gombrich.

O autor critica museus, historiadores, público, artistas e ele mesmo. Tudo com uma dose cavalar de veneno e excesso. Sempre gostei de teóricos catastróficos e exagerados. Acredito que através de um pensamento que extrapola os limites do plausível podemos chegar a um conceito e idéias razoáveis.

No caso da história da arte, em que tanta gente já falou tanta coisa sem novidade, Hans Belting é uma benção, sacudindo toda a instituição artística. E se alguém sair da leitura de “O fim da história da arte” sem pelo menos uma ou duas pulgas atrás da orelha, faça como eu: esqueça os livros e vá ao cinema.

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Segundo o Wikipedia, Fortaleza tem 313,8 km² de área e 2.473.614 habitantes. Um erro. Na verdade, a população de Fortaleza não passa de 250 pessoas e sua área não deve ser maior do que poucos 20 km². Eu, por exemplo, encontro sempre com as mesmas pessoas no meu ônibus e meu limite territorial não passa de um corredor que liga a minha casa ao Benfica. Ou seja, nossa cidade é um vilarejo, quiçá um condado.

Porém, não estou aqui para contestar os dados imprecisos do IBGE. Estou aqui para fazer um mapeamento (utilizando meus dados imparciais) dos grupos ideológicos existentes em nossa nanica cidadezinha (assim, bem pequenininha).

Divido a cidade em 5 grupos muito bem definidos: Aquele-povo-que-usa-sandália-de-couro, Aquele-povo-que-pensa-que-mora-em-londres, Aquele-povo-que-vai-pra-balada, Aquele-povo-que-não-frequenta-a-regional-2, Aquele-que-está-em-todos-os-lugares.

De hoje em diante, cada post virá com a descrição de um dos grupos. Hoje vamos começar por...

Aquele-povo-que-usa-sandália-de-couro

Onde encontrar: No centro de humanidades de qualquer universidade pública, em um “bar derrubado” (mas não um bar derrubado da periferia. Tem que ser ali pelo Benfica ou adjacências. Sabe como é... a periferia é tão longe...) ou em uma festa com cultura nordestina de raiz.

Do que gosta: Chico Buarque na terra e no céu, uma coisa MPB assim anos 70 – Gal, Bethânia, uma coisa MPB assim bem cult – Tereza Cristina ou Oswaldo Montenegro, uma banda de pífano do Juazeiro, qualquer banda com sotaque de Juazeiro, qualquer grupo artístico que tenha as palavras “trupe”, “brincantes” ou “cordão”.

Programa favorito: Fazer uma ciranda bem bonita com gente de todas as cores, todos os credos...

Diálogo:

- Bob?
- Quem? O Marley?
- Tu curte?
- Prefiro Zé Ramalho
- Bóra comprar um vinho?
- Eu vou é fumar um gudang...

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Que banda chata é essa “Cérebro Eletrônico”? E lá estão os jornalistas culturais querendo transformar eles na nova coisa mais cult do mundo. “A substituta do Los Hermanos”. Eles são muito inventivos e usam brinquedos para produzir sons em algumas canções – Nossa! Que criativo! São os novos Beatles...Jesus, deviam trancar eles e o Teatro Mágico em um quarto por toda a eternidade. Deixar eles discutindo quem é a banda mais cool, intelectual, bacaninha e chata do país. Deviam colocar a banda do Junior Lima para tocar lá dentro. Talvez eles se matassem em uma ou duas semanas.

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Hoje estou com ódio de nada. E não existe nada pior do que odiar quando não há ninguém ou nada para culpar.

Prometo voltar mais feliz da próxima vez. Vou comer muito chocolate antes de escrever qualquer coisa.

Se você conseguiu ler tudo que eu escrevi até aqui, PARABÉNS! Você deve ser uma dessas pessoas normais que adora ler livros ou simplesmente não tem nada melhor para fazer. Será que alguém anda nesse blog?

Abraços aos meus leitores imaginários!

Tchau!

Sobre câmeras e minha memória rasa

Esse texto necessitou de um esforço duplo para ser feito. Primeiro, o esforço sobre-humano para conseguir escrever poucas linhas. Poucas, mas proveitosas linhas. Segundo, para conseguir resgatar da minha memória rasa algumas lembranças do filme Escafandro e a Borboleta. Lembro-me que imediatamente ao sair do cinema, pensei em uma série de questões que gostaria de levantar. Uma série de impressões que deveria compartilhar. Não existem mais. Elas se foram. De repente comecei a raciocinar que não guardo imagens por muito tempo. Sei que um filme me tocou de alguma forma, mas quase sempre não me recordo o porquê. Não guardo sinopses, não guardo nomes de personagens, não guardo desfechos. No entanto, a experiência de ter visto uma obra espetacular continua em meu cérebro. Se perguntarem se gostei de tal filme, respondo com a convicção daqueles que poderiam fazer uma análise técnica com precisão. Falo baseado em sentimentos. Veja bem, não estou fazendo juízo de valor entre as duas coisas. Faço isso por uma deficiência biológica, não por opção.

Os filmes depois de vistos formam uma imagem anômala, disforme e indescritível na minha cabeça. Essa é lembrança que tenho deles. Nada e ao mesmo tempo tudo. Minha visão de um filme é comparável a uma câmera subjetiva. E era sobre isso que gostaria de comentar. Sobre câmeras.

Há uma polêmica no meio acadêmico sobre o conceito de Câmera Subjetiva e Câmera Ponto-de-vista. Para a grande maioria de estudiosos desocupados, a câmera ponto-de-vista é aquela que apresenta a visão da personagem, uma câmera-olho. Já a câmera subjetiva, seria aquela ligada à visão onírica, do plano do sonho.

Interessante perceber como um filme (com um pouco mais de uma hora e meia) pode colocar abaixo teorias quase inquestionáveis. Na produção de Julian Schnabel temos um homem que perde quase todos os movimentos do corpo após um derrame. Um de seus olhos é costurado e o outro serve mais como um veículo de comunicação do que como um órgão responsável pela visão. Digo isso porque Jean-Dominique Bauby não se limita ao seu único olho para ver o mundo.

Durante quase metade da produção a câmera é posicionada como sendo o olho da personagem principal, ela desfoca quando o olho desfoca, ela se fecha quando o olho se fecha. Temos aqui (teoricamente) uma típica câmera ponto-de-vista.

Em outros momentos, Bauby passei pelo hospital e participa de um jantar maluco. Uma câmera subjetiva, naturalmente.

Porém, aqui coloco um pertinente questionamento: considerando o contexto do filme, não seria a câmera subjetiva a própria visão da personagem. Não teria após o choque traumático pelo qual passou, criado um outro universo com o qual poderia intervir, dialogar e agir? Como o conceito de real pode ser tratado nessa obra e nessa situação? Alguém teria coragem ou a arrogância de falar para Bauby que aquele jantar era uma farsa e que o mundo real era na verdade aquele seu pequeno e limitado campo de visão?

Aquela seqüência do jantar, em que uma câmera convencional (um plano convencional) filma uma “alucinação” de Bauby em um jantar lascivo ao lado de uma bela mulher é na verdade uma câmera ponto-de-vista. Apesar da câmera não estar posta no lugar do olho da personagem e embora essa seqüência esteja dentro do plano da alucinação (isso do nosso ponto-de-vista).

Da mesma forma, quando temos um passeio de Bauby pelos corredores do hospital, estamos diante novamente de câmera ponto-de-vista, agora com uma câmera posicionada na mesma direção do olhar da personagem.

Escafandro e a Borboleta é um filme tão complexo que não me deixa colocar um fim ao meu raciocínio. Nesse exato momento em que escrevo “nesse exato momento” está passando pela minha cabeça uma série de dúvidas sobre essa coisa do olhar no cinema. Eu prefiro acabar aqui antes que eu tenha um colapso mental.

PS1: A cena do passeio de Bauby pelos corredores do hospital não seria uma homenagem à obra de Aleksandr Sokurov, Arca Russa? Aquelas personagens de épocas diferentes passeando em um único espaço?

PS2: Como vocês puderam perceber, não consegui escrever poucas e proveitosas linhas. Tento novamente na próxima vez.

Meu top 5 de uma banda só

Nunca me senti tentado a freqüentar a “cena” de Fortaleza e nunca me interessei em andar em lugares descolados da minha cidade. Até fui algumas vezes ao Noise 3D, meio por acidente, mas nunca levei aquelas crianças e adolescentes a sério. Aqueles seres sempre me pareceram um bando de gente fantasiada de ingleses toscos. Veja bem, somos uma cidade tão ensolarada...

Não conseguiria fazer um top 5 com minhas bandas cearenses preferidas porque não existem 5 bandas preferidas para completar a lista. Na verdade nunca parei para pensar quais bandas estariam nela. Mas (eu disse “mas”), se algum dia eu fosse compelido a elaborar tal classificação, a primeira coisa que sairia da minha boca seria “Café Colômbia”.

Eu nem sei se a Café Colômbia é a melhor banda do nosso estado. Até acho eles cheios de defeitos, mas acredito que eles sejam a única banda cearense a mexer em algumas engrenagens em meu cérebro que algumas pessoas costumam chamar de “sentimentos”.

Acompanho o trabalho deles desde 2005, já fui a 5 ou 6 shows e sempre que posso faço um marketing viral com os amigos. Ou seja, a Café Colômbia é meu Radiohead, o meu Strokes e o meu Cafe Tacuba no Ceará.

Esse mês eles lançaram o primeiro CD. Desde 2005 que escuto essa história de lançamento do primeiro álbum. Já faz tanto tempo isso que eles nem imaginaram que em 2008 essa coisa de CD estivesse tão fora de moda. Eu não vou comprar porque sou uma pessoa hiper moderna. Até compraria, mas o sistema de distribuição é tão complicado que me dá preguiça. Então fiz um bom e velho download. O pacote vem com a capa (?) do CD e uma foto de 3 anos atrás em que o Felipe foi apagado no Photoshop. A Café é realmente uma banda retrô...

Não entendi o porquê da mudança do título do álbum. O que diabos aconteceu com “Poesia de Araque”? Era um título tão inspirador e cheio de psicologia reversa...Digo cheio de psicologia reversa porque a banda sabe que possui as melhores letras do circuito.

De volta ao meu “álbum” baixado, um pequeno trecho autodescritivo da banda retirado do release:

“O pretexto à inspiração é corriqueiro: um amigo "despadronizado", amores de terceiros, os próprios sentimentos. A sonoridade bebe na essência do rock e de guitarras distorcidas, com letras em português. Café Colômbia há de oferecer versões da realidade de crenças vulneráveis. Da simplicidade da vida, uma conexão à sensibilidade. Sem mais.”

Ok, oferecer uma versão da realidade das crenças vulneráveis e ao mesmo tempo promover uma conexão à sensibilidade é coisa demais para uma banda que lança o primeiro CD. No entanto, a parte mais significativa é aquela que finaliza: “Sem mais”. Diz tudo. A Café Colômbia é uma trama de sentimentos agridoces, mas sem frescura. Sem mais. Capaz de cenas românticas, palavras tolas ditas ao pôr do sol ou andar descalço sorrindo pra todo mundo.

O som da banda não é muito rebuscado, com muitas camadas. É guitarra, baixo e bateria. Isso incomoda às vezes. Parece-me que muitas canções poderiam ter sido um pouco mais trabalhadas, com arranjos não tão básicos. Talvez esse não fosse o objetivo, como disse, a Café não é uma banda cheia de frescuras. Os vocais também poderiam ser melhores. Aula de canto é sempre uma boa opção. A questão não é cantar perfeitamente bem, mas saber usar a voz da melhor forma.

Destaques:

Paciência Não: talvez a melhor letra.
Glória: a música sobre futebol que o Skank nunca teria coragem de fazer.
Sereneo: a letra parece coisa do Nando Reis. Se fosse dele seria irritante. Com a Café fica tudo lindo, colorido, “vamos sair por aí sorrindo”, Uhuu, lá, lá, lá, ié, ié!
Descanso: isso me lembra aquelas vinhetas dos Cd’s do Oasis... Procura: A mais bela se não fosse....
Automotiva: A melhor música cearense que ouvi na minha curta vida. “Todo amor termina com um coração que se parte”. Eu acrescentaria: “Todo amor termina com uma conta bancária que se reparte”.
A mesma: a melhor música que não está no CD.

É isso. Café Colômbia é tipo o Sonic Youth mais sóbrio conversando com um Radiohead mais risonho sobre algumas amenidades da vida. Sem mais.

Preciso escrever menos...


Serviço:

http://cafecolombia.blogspot.com/
Aqui você baixa tudo...

Aproveitando o tema música popular cearense:
http://www.myspace.com/telerama

E como eu sou alguém muito estranho:
http://www.myspace.com/costaacosta

Olha só, só faltam 2 bandas agora....

Sobre pedaços de alma espalhados em uma película

Confesso que desconheço a filmografia de Sidney Lumet, o que se configurou um grande erro após a apreciação de “Antes que o diabo saiba que você está morto”. Talvez, entrar na sala de cinema virgem de qualquer referência estética sobre a obra desse cineasta, tenha feito a experiência de ver ao seu mais recente filme algo ainda mais instigante. Uma busca por traços artísticos e de personalidade em uma película, aquela fissura que separam os diretores criadores dos diretores burocratas.

Hollywood se especializou em criar tramas mirabolantes sobre assaltos. Um gênero menor, mas ainda assim com suas regras estabelecidas. Geralmente a trama se resume ao seguinte: inicialmente, acompanhamos a preparação do roubo e a planejamento das estratégias. Posteriormente, somos apresentados ao assalto com todos os imprevistos já previstos. Por fim, no quase final, quando acreditamos ter chegado ao desfecho, uma grande virada dramática, um final surpresa. Tudo para os adolescentes saírem das salas de cinema tentando costurar as pistas e se sentirem mais inteligentes do que geralmente são. Sempre alguém diz: “Eu já sabia!”

Na obra de Lumet não temos um plano mirabolante, não temos reviravoltas surpresas, tampouco o roubo é o grande destaque. A cena do tal assalto dura apenas alguns minutos e se desenvolve de forma simples. Daí vem a genialidade de Lumet, a partir de uma seqüência tola, desenvolver um filme que caminha para um desastre de proporções colossais, maior do que qualquer roubo à Cassinos.

Gosto de filmes que trabalham com a idéia do efeito borboleta ou efeito dominó. Pequenas ações que causam conseqüências catastróficas. Gosto de ver as personagens perdidas, desesperadas, sem saída. Alejandro González Iñárritu se especializou nisso. Pelo menos até ele fazer o “fora do ponto” Babel. Os cachorros de Amores Brutos são ainda inesquecíveis.

Em “Antes que o diabo...” (Ok, esse título é bacana, mas chato para escrever), Lumet prefere reviravoltas psicológicas. O que interessa ao cineasta é mostrar que o pequeno ato (o roubo) poderia ter motivações inimagináveis e conseqüências ainda mais imprevisíveis. O cineasta opta por um jogo de ir e voltar no tempo. Algo que em um filme de Tarantino seria apenas uma “forçação de barra” barata para imprimir uma assinatura estilística. Lumet utiliza esse recurso de retalhos temporais para deixar o espectador perdido, ansioso e impotente, assim como suas personagens. Da mesma forma, um rede de figuras dramáticas vai pouco a pouco surgindo. O eixo da trama que parecia inicialmente restrito aos dois protagonistas vai aumentando à medida que mais um trecho da história é apresentado. O diretor opta por apresentar cada segmento sob o ponto de vista de cada uma das personagens. Lumet nos torna cúmplices delas. Em um instante só acompanhamos e temos consciência dos atos de Andy para só em um outro instante sabermos as reações e ações de Hank.

Mas “Antes que o diabo saiba....” não seria o que é sem a sua dupla de protagonistas. Philip Seymour Hoffman parece fazer mais uma daquelas suas interpretações sobrenaturais. Saindo de um aparente equilíbrio para um homem totalmente desestabilizado emocionalmente. Ethan Hawke perfeito no papel de um adulto irresponsável, inseguro e fracassado. Ponto negativo para Marisa Tomei. Perto da dupla, Marisa parece uma atriz iniciante, incapaz de um olhar, um sorriso, um gesto tocante. Só não é um desastre porque Gina talvez seja exatamente como uma interpretação de Marisa: apática.

De equívocos, apontaria a trilha sonora pouco inspirada e um erro no último ato relacionado à regra criada pelo próprio Lumet. Apesar de apontar o último trecho como sendo o ponto de vista da personagem de Albert Finney, Charles, somos apresentados a seqüências sem a presença dessa personagem e sob pontos de vista de outras. Nada que incomode.

Lumet é um maestro. A sutiliza da fotografia que a cada ponto de vista posiciona a câmera próxima da personagem focada, como se a tornasse cúmplice, a subversão de um gênero e direção de elenco, provam que o cineasta consegue deixar sua alma na obra. Algo pouco comum.

Sobre roqueiros clichês

Um roqueiro clichê. Assim uma personagem descreve Blake, um jovem atormentado por uma depressão crônica e foco principal de Last Days. Tanto a obra de Gus Van Sant como uma outra de autoria do cineasta Anton Corbijn, Control - A História de Ian Curtis, tangem contextos semelhantes, homens atacados por uma melancolia sem origem específica, jovens gênios com uma alma autodestrutiva.

E como somos atraídos por astros debilitados emocionalmente. Roqueiros felizes não atraem tanto nossa atenção como os roqueiros clichês. Bono e todo o Belle & Sebastian (adoro falar deles) são um bando de chatos ou pelo menos todo mundo (ou quase todo mundo) pensa isso. Preferimos os astros malucos, drogados, inconseqüentes e depressivos. Geralmente são mais interessantes.

Conheço os trabalhos oficiais do Joy Division, mas nunca consegui me emocionar com nenhuma de suas canções. Soa-me datado. Não creio que ele tenha sido o gênio que tentam construir. Se Ian Curtis cantasse com seu Joy Division nos anos 2000, provavelmente seria apenas mais uma banda inglesa no My Space.

Sei sobre o Nirvana tudo o que alguém relativamente bem informado sobre música deve saber. Escutei todos os álbuns, não consigo entender várias das letras de Kurt Cobain e nunca fui um entusiasta da sua obra. A sonoridade do Nirvana está um pouco mais próxima da que me apraz.

Dito isso, que acho as duas bandas e seus respectivos vocalistas muito acima da média, mas abaixo do nível da genialidade absoluta, podemos passar para as obras cinematográficas em questão.

Last Days é o estilo Gus Van Sant elevado à décima potência. Todos os elementos estão lá: inexistência de clímax, raros diálogos, movimentos contidos de câmera, longos planos - seqüência e uma estrutura narrativa simplificada ao extremo.

Os filmes de Van Sant são sempre um problema. Como obras artísticas eu os considero frios e vazios. Como provocação, são geniais. Assim como Lars Von Trier, Gus Van Sant é um daqueles que não se contentam com o lugar comum, é um inquieto questionador da linguagem cinematográfica e da nossa percepção.

Estamos tão acostumados com filmes com uma estrutura narrativa tão matematicamente calculada e previsível que ver Last Days torna-se um exercício dolorido de paciência. Isso causa um incômodo terrível e ao mesmo tempo necessário.

Nossa vida é um tédio. Se pegássemos 2 horas de nosso dia e fizéssemos um longa-metragem sem edição ou grandes recursos de câmera ou luz com esse mesmo tempo, provavelmente teríamos o filme mais chato já feito pelo homem. O meu seria duas horas de um longo plano-sequência de uma mesma pessoa digitando em um teclado. Algo ótimo para uma galeria de arte se o Andy Warhol já não tivesse feito algo parecido na década de 60.

O fato é que a vida sem uma boa edição é um tédio. É esse o mote dos filmes de Gus Van Sant. Como uma luta contra o cinema clássico, o cineasta nos coloca dentro de uma situação que sai do nada para chegar ao quase nada. Last Days poderia ser exibido em praça pública, com os transeuntes acompanhando apenas pequenos trechos do filme sem nenhum prejuízo. Porém, a obra (supostamente) sobre a vida Kurt Cobain não nos diz muita coisa sobre suas personagem principal. Ficamos sem compreender as motivações e os temores de Blake.

Talvez esse tenha sido o objetivo do cineasta, como se nós observássemos uma cena da janela do nosso apartamento, sem saber quem é, o que faz, de onde veio e para onde vai a personagem observada.

Control é mais próximo do cinema tradicional. Começo, meio e fim bem definidos. Peca por trazer uma visão melodramática dos acontecimentos, algo próximo de um romance gótico. Isso interfere um pouco na condução da narrativa, mas não prejudica a qualidade elevada da película. A fotografia de Control é um primor. A utilização do preto e branco permite um jogo de luz e sombra belíssimo. Assim como Last Days é de Michael Pitt, Control é de Sam Riley. Ambos realizam um trabalho corporal impressionante. Michael Pitt teve que criar uma ação física para um filme com pouca ação dramática. Sam Riley recria os movimentos e trejeitos de Ian Curtis com perfeição.

No final das contas, Control supera muito Last Days. Só não sei qual roqueiro depressivo e viciado é o meu preferido. Acho que fico com o Ian. Ele foi menos clichê na hora de se matar.


Control - ****

Last Days - **


PS: Nunca dei estrelinhas pros filmes. É tão divertido isso...

Sobre estrelas, milhões e o meu anonimato saudável.

O cinema em seu principio era algo amador. Os filmes eram feitos por diretores oriundos do teatro ou por homens com pouco afinco com qualquer tipo de arte. O status e importância da figura do cineasta em um set é algo que só surgiria tempos depois. Os atores, por sua vez, vinham de teatros amadores, circos ou eram selecionados na rua de acordo com seus tipos físicos. Não era necessário memorizar páginas infindáveis de textos, tampouco era necessária uma interpretação arrebatadora. O importante era a atração em si. E foi assim, meio anárquico, meio desajeitado, que o cinema surgiu no início do século.

A brincadeira só começou a ficar séria quando os “homens de negócios” (com o perdão da expressão), tiveram a brilhante idéia de potencializar algo que os seus próprios criadores desacreditavam. Chegava ao fim o cinema como atração popular. Era tempo de criar uma indústria, reposicionar o cinema com arte (burguesa) e principalmente torná-lo lucrativo. Méliès, que morreu pobre e faminto pelas ruelas parisienses, não teve tempo de gozar das notas verdes que surgiriam aos montes nos bolsos de diretores, atores e principalmente produtores a partir da segunda década do século passado.

Depois disso, a história já é conhecida: surgem os imponentes e megalomaníacos cinemas-teatros, a divisão do trabalho cria muitos dos cargos que hoje conhecemos (diretores de arte, roteiristas, produtores etc) e principalmente o chamado starsystem – figuras meio mito, meio humanos que pairavam sobre o imaginário das platéias no mundo todo. Lembrem-se que até metade do século XX o cinema era realmente influente nos costumes, na moda e no estilo de vida não só de americanos.

Aqui estamos no início do século XXI, mais de 100 anos depois das primeiras exibições do cinematógrafo. As estrelas de Hollywood não representam tanto como representavam para a sociedade até meados da década de 50. Porém, continuam com seus salários milionários e alvo das lentes de fotógrafos de celebridades. E tão rápido quanto um clique da câmera de um paparazzo é a velocidade com que atores e atrizes podem ser levados à glória ou para a lama.

Imaginem o que passa na cabeça de um jovem com pouco mais de vinte anos que sai de país para tentar alcançar o estrelato (ou seria apenas trabalhar?) em um país outro. Em pouco tempo conhece pessoas influentes, consegue contratos milionários, vira um símbolo sexual, é indicado ao Oscar, casa-se com uma ex-extrela adolescente e conhece o mundo todo.

Heath Ledger alcançou o sonho americano com uma rapidez impressionante e talvez ele não estivesse preparado para isso. Se para nós os cachês milionários nos parecem absurdos, imaginem o que é viver longe da família, perder todo o contato com seus antigos amigos, ficar cercado por pessoas interessadas exclusivamente no que você simboliza, ser seguido por paparazzos 24h por dia, ter que manter a boa forma, trabalhar 20h diariamente e ainda ser cobrado por jornalistas pelo bom desempenho em suas atuações.

Não é difícil imaginar que sua ex-mulher fosse a sua única companheira, amiga e confidente realmente confiável. Após o fim do casamento, deve ter se visto sozinho, emocionalmente abalado e mesmo assim obrigado a cumprir todos os seus compromissos de estrela.

Claro que são apenas suposições. Porém, penso que um coquetel emocional dessa natureza não poderia ter um final feliz. Penso que quando vamos ao cinema não reconhecemos os seres humanos que são projetados na tela. São figuras distantes e ao mesmo tempo tão próximas. Podemos saber tudo sobre suas vidas sem nunca vê-las pessoalmente. Podemos saber todos os detalhes da vida intima das estrelas mais do que talvez os próprios familiares saibam.

Antigamente, o lado B dos astros só vinha à tona anos depois, quando algum biógrafo decidia escancarar a intimidade de estrelas que já estavam mortas. Agora não. Não é mais necessária uma investigação profunda e minuciosa. Se alguém cheira cocaína em casa, dias depois lá está um vídeo no youtube. Se alguém trai, lá estão as fotos na Internet horas depois. Será que alguém realmente irá se interessar por uma biografia da Britney Spears? Não, já sabemos de tudo. Vimos tudo.

Sinceramente, não troco minha vidinha pacata, anônima e saudável por Hollywood. Porém, fico aqui pensando: quem se lembrará de mais um Bruno quando eu morrer? Heath vai ser provavelmente o James Dean da nossa geração, será lembrado por um filme que é uma das maiores histórias de amor que o cinema já contou (um clássico de Ang Lee) e provavelmente fará o melhor vilão de um filme baseado em quadrinhos em todos os tempos. Ok, os milhões parecem realmente tentadores...

Pelo fim do cinema

Artistas geralmente são arrogantes e assim devem ser. Não conheço um gênio que tenha um ego diminuto, não conheço grandes artistas que não tenham a noção do impacto que suas obra causam. Não me dou com artistas. No entanto, isso não me classifica necessariamente como uma pessoa humilde, apenas não tenho paciência com conversas sobre o estado contemporâneo da arte.

O cinema é uma arte arrogante. Com pouco mais de 100 anos de existência do cinematógrafo, o cinema tem uma atitude irritante de sempre ambicionar mudar nossa forma de ver e nos relacionarmos com as imagens.

Li um artigo dia desses no New York Times sobre o fim da narrativa. A teoria era a seguinte: nossos olhos e mentes estão hoje muito acostumados com histórias fragmentadas, desejamos uma certa interatividade (ou a ilusão dela) e queremos dar o nosso próprio rumo ao curso de uma ação. O vídeo-game e a Internet teriam supostamente colaborado com essa nova postura do olhar.

Cito aqui um exemplo clássico de uma tentativa de criar um cinema anti-linear e imprevisível: o soft cinema. Fruto da cabeça doente de Lev Manovich, um daqueles caras míopes do MIT, o soft cinema é constituído por um programa que gera seqüências em ordem aleatória a cada vez que é acionado. Ou seja, o software armazena uma série de seqüência de imagens que são colocadas em ordem aleatória, gerando assim, narrativas quase infinitas.

Mas não seria ambição demais, utopia demais, imaginar que o cinema poderia romper com uma tradição de séculos? Será que nós vamos ter que aposentar todos os nosso roteiristas em 10, 20 anos?

Posso estar enganado, mas creio que o cinema tem um espírito autodestrutivo. Nenhuma outra arte tem o desejo tão grande de se superar e destruir tudo que construiu até então. É como se para criar uma outra possibilidade criativa fosse necessário deixar para trás todo o passado.

Não me recordo de nenhum teórico, artista ou pessoa ligada à indústria teatral (se é que isso existe) que tenha tido a coragem de dizer que determinada forma de se fazer teatro desapareceria por conta do surgimento de uma nova proposta ou estética.

Porém, se o 3D surge (na verdade ele resurge), todo mundo sai espalhando por aí que em poucos anos as salas de cinema como conhecemos desaparecerão. Típica arrogância do cinema. Uma proposta nunca pode conviver harmoniosamente com outra. E a indústria já pagou caro por arrogância desse tipo. O próprio cinema 3D já passou de último grito da alta tecnologia para um grande fracasso comercial.

No cinema todo mundo se odeia. A facção da vanguarda, os videoartistas e os experimentais, odeiam a facção “cinema clássico”. É algo do tipo: “Escolha o seu lado!”. Quase uma guerra. Vanguarda depende do cinema clássico e o clássico necessita da vanguarda. Experimental nem sempre é genial, mas alguém tem que fazer.

Sendo assim, como já anunciei no início que não sou a mais humilde das criaturas, proponho algo mais arrogante e radical: o fim do cinema. Pronto. Duvido que algum artista doidão proponha algo mais revolucionário.

Garota prodígio ou a chatinha do morumbi?

Crianças prodígios são inevitavelmente chatas. Quase sempre agem como adultos em corpos miúdos e geralmente ganham esse título quando conseguem formular uma frase como se fossem homens ou mulheres maduros com seus 50 anos. Lembro-me das entrevistas com Haley Joel Osment quando em seu auge de popularidade e de produção artística. Suas respostas assustavam. Não era uma criança de 11 anos. Não podia ser uma criança de 11 anos. Parecia ter um tédio precoce e um pensamento comum aos atores de gerações bem mais antigas. Crianças prodígios enjoam. Mallu Magalhães enjoa. Tive essa certeza depois da entrevista concedida pela garota (?) ao Jô Soares em seu programa de entrevistas (?).

Conheci Mallu antes do hype. Falo isso não com uma arrogância indie do tipo “eu conheci antes da modinha”. Falo isso porque foi exatamente assim que aconteceu. Devo ter sido o membro número 150 da comunidade da cantora no Orkut e a pessoa responsável por espalhar a obra dela de forma viral para uns 10 amigos. Entrei em um tópico de uma comunidade orkutiana que não me recordo qual, acessei uma informação sobre um show do Vanguart, li um comentário sobre uma tal Mallu que abriu o show dos cuiabanos, fui no my space e me apaixonei. As letras eram fofas, a voz era fofa e os arranjos um primor, uma simplicidade doce para os ouvidos. Depois disso veio o Lúcio Ribeiro, a Globo, a Folha e todo o resto.

Mallu não é uma grande cantora, não é uma grande instrumentista e também não é uma letrista genial. Mallu é contida e limitada. Não que isso seja um problema. Sua música está em níveis bem mais altos que a média do pop brasileiro.

O problema é que Mallu começa a me irritar. Meu primeiro desapontamento aconteceu em sua entrevista para o UOL. Antes, achava super fofo quando ela dava respostas monosilábicas. Parecia uma timidez inocente. Agora não mais. A entrevistadora pergunta sobre o que a garota está achando de toda a confusão e fama surgida nos últimos meses. Ela responde: “Legal...”. A entrevistadora tenta:

- Só isso?

- É, só isso.

Podem me dizer que ela não está preparada para a fama ou que ela é uma garota tímida. Porém, pergunto-me se talvez Mallu não seja apenas uma garotinha chata que mora no Morumbi. Ao contrário de Osment que parecia 30 anos mais velho, Mallu parece ter 5 anos a menos. Quem acompanha a série de entrevistas concedidas pela cantora também deve perceber que ela sempre repete frases feitas. Não é culpa só dos entrevistados que geralmente fazem as mesmas perguntas. Mallu sempre arranja um jeito de falar das mesmas coisas, o mesmo blá, blá, blá, do Bob Dylan e os nomes dos seus instrumentos. Ok, posso estar exigindo demais de uma adolescente, mas tenho o direito de ficar irritado. Atualmente prefiro ouvir Mallu a vê-la.

O engraçado é que rola uma teoria da conspiração sobre a fama meteórica da cantora. Alguns dizem que tudo foi e é milimetricamente planejado por um empresário que quer ganhar uma grana com a fama da garota. Claro que não sou ingênuo em acreditar que aquelas músicas com ótima qualidade disponíveis no My Space tenham sido fruto apenas de um presente do pai e que tudo rolou de forma descompromissada. Também não acredito que parte da imprensa tenha pautado a cantora por geração espontânea. Alguns pauzinhos foram devidamente mexidos. Mas quem apostaria ganhar grana em cima de uma garota que fala com uma criança de 9 anos, canta folk em inglês e é totalmente o inverso das cantores populares brasileiras? Mallu nunca vai tocar em rádios populares, nunca vai fazer um show solo para mais de 10 mil pessoas e não vai fazer fotos para a Playboy quando completar 18 anos.

Mallu ainda é minha cantora com menos de 20 anos preferida e continuo achando ela a coisa mais fofa no pop brasileiro depois da Fernanda Takai. Talvez eu esteja apenas com uma birra com a garota. Talvez Mallu não seja tão irritante. Talvez eu que seja um grande ranzinza.

Sobre Once e o direito de sermos tolos

Se existe uma síndrome do final feliz ou se ele é realmente uma criação da cultura de massa, essas coisas de Edgar Morin, eu realmente não sei. Vendo Once pela quinta vez percebi que talvez esta pequena e genial película seja sobre “finais felizes”, um jogo com o espectador e as expectativas criadas com situações idealizadas.

Logo no início somos apresentados a um casal sem nome, sem identidade burocrática. A garota aproxima-se de um cantor e seu violão e o faz três ou quatro perguntas. Imediatamente imaginamos um flerte, uma daquelas conversas de quem apenas deseja criar um pretexto para uma aproximação com o foco de interesse. Somos colocados na posição do nobre cantor e com ele seguiremos até o final.

Once é um filme que busca não ser um filme. Não estou me referindo exclusivamente a abordagem adotada pelo diretor John Carney e o fotografo Tim Fleming nas tomadas e movimentos de câmera, essas que criam uma situação documental, como se uma personagem invisível observasse as situações sem ser notada, algo voyeur. Refiro-me a uma contestação do filme clássico como instituição, mais especificamente as tramas amorosas hollywoodianas.

A garota interpretada por Marketa Irglova é a responsável pelo choque de realidade. Quando a personagem de Glen Hansard convida a moça para dormir em sua casa, talvez idealizando o início de um conto de fadas ou uma história de amor inesperada, dessas dos filmes da Julia Roberts, a garota é enfática ao negar a proposta. Rir do convite e parece dizer nas entrelinhas: “Acorda, isso não é filme!”.

Once não é um filme. Talvez Once seja uma tentativa de “desromantizar” o mundo e nossas relações afetivas. Essa postura de inverter valores se personifica na personagem de Hansard. A mulher que tradicionalmente é colocada nos filmes e na nossa sociedade como aquela eterna romântica que idealiza e sonha com um relacionamento e uma história de amor aparece em Once mais “racional” e contida. Cabe a Hansard o papel de romântico e de sonhador.

Mas o que seria um final feliz para os dois? Não seria o final de Once algo bom para ambos? A vida não é exatamente dessa forma? A constatação de que Once ou a vida não são um filme é para nós um choque. Porém, a produção consegue ser romântica e bela de forma não tradicional. Uma história de amor intensa mesmo que não consumada.

As canções que passam pela produção talvez sejam a mais bela coleção de músicas originais produzidas para um filme desde a trilha de About a Boy. Falling Slowly executada ao final provoca um arrepio até nos corações mais congelados. Saímos dessa experiência desejando encontrar nossa alma gêmea no ponto de ônibus, na padaria ou no caminho de casa. Sentimentos tolos que não nos importamos em ter. A pergunta no cartaz do filme provoca: How often do you find the right person? A resposta é: quantas forem necessárias para sermos felizes. Como é bom sermos tolos de vez em quando...

Juno não existe!

Filmes fofinhos nunca foram meus preferidos. Quando começam a dizer “é super fofo”, “super bonitinho” ou “é uma graça” começo imediatamente a desconfiar. Geralmente quem diz isso foi fisgado pelo coração ou por uma identificação momentânea. Minha birra com filmes fofinhos fez com que eu levasse anos até assistir Amélie Poulain, filme que todos eram unânimes em descrever como “lindinho”.

Quando Juno fez sua primeira exibição nos Estados Unidos, bem antes de virar uma febre, meu desconfiômetro atingiu níveis elevados. Era uma produção “indie”, “criativa” e “uma gracinha”. Colocar qualquer música do Belle & Sebastian na trilha sonora de um filme já é um fato aterrorizante. Não que eu odeie Belle & Sebastian. Até gosto do último álbum. O problema é que essa coisa de trilha sonora indie é um golpe baixo. Indies adoram filme com trilha sonora indie. Nem importa muito se o filme é ruim, o importante é a trilha cool e descolada.

Não tenho problemas com filmes indies. Meu filme do coração (sim, eu também me rendo a ele de vez em quando) é Donnie Darko, um filme cheio de referências pops dos anos 80, ou seja, “super bacaninha”.

Voltando à Juno. Comprei uma barra de chocolate ao leite e fui assistir ao tal filme independente do ano. E antes que digam que entrei na sala de cinema cheio de preconceitos, lembre-se que Juno já era adorado por gente que sequer tinha visto 5 minutos seguidos do filme. Aliás, deve ter gente que se derreteu todo logo na seqüência dos créditos iniciais, toda feita com uma imagem estilizada que lembra desenho animado (uau! Que doce, que fofo). Pra essa gente nem importava o resto, já sairiam espalhando por aí que Juno é o melhor filme do ano de qualquer jeito. Logo, eu não entrei no cinema mais emocionalmente motivado do que qualquer fã de Sonic Youth.

Vamos ao fato: Juno não ruim. Juno não é ruim, mas não é ótimo. Se fosse colocar aquela escala de estrelinhas, daria 3 estrelas. O roteiro de Diablo Cody é tão falso e forçado como a trilha sonora que chega a irritar e ser desnecessária em vários momentos, descritiva e redundante demais. Isso faz com que as músicas criem uma legenda sonora para várias cenas ou faça perder a força das imagens.

As personagens de Juno não existem. Os textos são ditos de forma tão rápida e esperta que não poderíamos nunca presenciar um diálogo como os de Juno em nossa vida cotidiana, só se tivéssemos um teleprompter em nossa frente passando um texto para ser lido. Toda a fala das personagens é pontuada por uma “tirada” esperta ou por uma piada sarcástica. Sim, as piadas são divertidas, mas cansam. Chego a pensar que Diablo Cody passou mais tempo pensando em sacadinhas para o seu texto do que desenvolvendo as personagens ou uma linha narrativa. Narrativa que se prende a um fiapo de trama que nunca sai do lugar. Os conflitos são praticamente inexistentes e as personagens parecem perdidas, sem função dramatúrgica.

Para piorar, vemos passagens absurdas e bizarras que não convencem. Juno decide abortar tão facilmente como decidiria trocar de roupa. Nenhum conflito. Outro exemplo é umas das primeiras seqüências do filme, quando Juno leva até a casa do seu namorado a cadeira na qual conceberam o bebê (!), coloca um tapete decorativo (!!) e espera sentada fumando um cachimbo (!!!). Um absurdo que só se justifica para criar uma seqüência engraçadinha.

Porém, nem tudo é uma catástrofe. Aliás, o filme só não vira uma piada de mau gosto por um único motivo: Ellen Page. A atriz consegue dar alguns fiapos de humanidade a uma personagem sem alma. Outro grande destaque é a personagem de Jennifer Garner, a única com alguns traços de realidade que são potencializados por uma interpretação surpreendente de uma atriz até então muito limitada em seus papéis.

A direção de Jason Reitman mostra-se preguiçosa e bem menos inspirada do que em “Obrigado por fumar”. Nenhuma grande seqüência, nenhum grande plano, nenhuma condução narrativa mais criativa.

Juno é um daqueles filmes fruto da nova indústria dos filmes independentes americanos. Ano que vem teremos mais um aleito como “queridinho”. Só tenho medo que a falta de idéias e mediocridade da grande indústria contamine este setor que se mostrou nos últimos anos como o mais fecundo e relevante do cinema dos Estados Unidos. Continuo odiando filmes fofinhos. Juno não me fisgou. Alíás, Juno não existe.