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Sobre Once e o direito de sermos tolos

Se existe uma síndrome do final feliz ou se ele é realmente uma criação da cultura de massa, essas coisas de Edgar Morin, eu realmente não sei. Vendo Once pela quinta vez percebi que talvez esta pequena e genial película seja sobre “finais felizes”, um jogo com o espectador e as expectativas criadas com situações idealizadas.

Logo no início somos apresentados a um casal sem nome, sem identidade burocrática. A garota aproxima-se de um cantor e seu violão e o faz três ou quatro perguntas. Imediatamente imaginamos um flerte, uma daquelas conversas de quem apenas deseja criar um pretexto para uma aproximação com o foco de interesse. Somos colocados na posição do nobre cantor e com ele seguiremos até o final.

Once é um filme que busca não ser um filme. Não estou me referindo exclusivamente a abordagem adotada pelo diretor John Carney e o fotografo Tim Fleming nas tomadas e movimentos de câmera, essas que criam uma situação documental, como se uma personagem invisível observasse as situações sem ser notada, algo voyeur. Refiro-me a uma contestação do filme clássico como instituição, mais especificamente as tramas amorosas hollywoodianas.

A garota interpretada por Marketa Irglova é a responsável pelo choque de realidade. Quando a personagem de Glen Hansard convida a moça para dormir em sua casa, talvez idealizando o início de um conto de fadas ou uma história de amor inesperada, dessas dos filmes da Julia Roberts, a garota é enfática ao negar a proposta. Rir do convite e parece dizer nas entrelinhas: “Acorda, isso não é filme!”.

Once não é um filme. Talvez Once seja uma tentativa de “desromantizar” o mundo e nossas relações afetivas. Essa postura de inverter valores se personifica na personagem de Hansard. A mulher que tradicionalmente é colocada nos filmes e na nossa sociedade como aquela eterna romântica que idealiza e sonha com um relacionamento e uma história de amor aparece em Once mais “racional” e contida. Cabe a Hansard o papel de romântico e de sonhador.

Mas o que seria um final feliz para os dois? Não seria o final de Once algo bom para ambos? A vida não é exatamente dessa forma? A constatação de que Once ou a vida não são um filme é para nós um choque. Porém, a produção consegue ser romântica e bela de forma não tradicional. Uma história de amor intensa mesmo que não consumada.

As canções que passam pela produção talvez sejam a mais bela coleção de músicas originais produzidas para um filme desde a trilha de About a Boy. Falling Slowly executada ao final provoca um arrepio até nos corações mais congelados. Saímos dessa experiência desejando encontrar nossa alma gêmea no ponto de ônibus, na padaria ou no caminho de casa. Sentimentos tolos que não nos importamos em ter. A pergunta no cartaz do filme provoca: How often do you find the right person? A resposta é: quantas forem necessárias para sermos felizes. Como é bom sermos tolos de vez em quando...

Juno não existe!

Filmes fofinhos nunca foram meus preferidos. Quando começam a dizer “é super fofo”, “super bonitinho” ou “é uma graça” começo imediatamente a desconfiar. Geralmente quem diz isso foi fisgado pelo coração ou por uma identificação momentânea. Minha birra com filmes fofinhos fez com que eu levasse anos até assistir Amélie Poulain, filme que todos eram unânimes em descrever como “lindinho”.

Quando Juno fez sua primeira exibição nos Estados Unidos, bem antes de virar uma febre, meu desconfiômetro atingiu níveis elevados. Era uma produção “indie”, “criativa” e “uma gracinha”. Colocar qualquer música do Belle & Sebastian na trilha sonora de um filme já é um fato aterrorizante. Não que eu odeie Belle & Sebastian. Até gosto do último álbum. O problema é que essa coisa de trilha sonora indie é um golpe baixo. Indies adoram filme com trilha sonora indie. Nem importa muito se o filme é ruim, o importante é a trilha cool e descolada.

Não tenho problemas com filmes indies. Meu filme do coração (sim, eu também me rendo a ele de vez em quando) é Donnie Darko, um filme cheio de referências pops dos anos 80, ou seja, “super bacaninha”.

Voltando à Juno. Comprei uma barra de chocolate ao leite e fui assistir ao tal filme independente do ano. E antes que digam que entrei na sala de cinema cheio de preconceitos, lembre-se que Juno já era adorado por gente que sequer tinha visto 5 minutos seguidos do filme. Aliás, deve ter gente que se derreteu todo logo na seqüência dos créditos iniciais, toda feita com uma imagem estilizada que lembra desenho animado (uau! Que doce, que fofo). Pra essa gente nem importava o resto, já sairiam espalhando por aí que Juno é o melhor filme do ano de qualquer jeito. Logo, eu não entrei no cinema mais emocionalmente motivado do que qualquer fã de Sonic Youth.

Vamos ao fato: Juno não ruim. Juno não é ruim, mas não é ótimo. Se fosse colocar aquela escala de estrelinhas, daria 3 estrelas. O roteiro de Diablo Cody é tão falso e forçado como a trilha sonora que chega a irritar e ser desnecessária em vários momentos, descritiva e redundante demais. Isso faz com que as músicas criem uma legenda sonora para várias cenas ou faça perder a força das imagens.

As personagens de Juno não existem. Os textos são ditos de forma tão rápida e esperta que não poderíamos nunca presenciar um diálogo como os de Juno em nossa vida cotidiana, só se tivéssemos um teleprompter em nossa frente passando um texto para ser lido. Toda a fala das personagens é pontuada por uma “tirada” esperta ou por uma piada sarcástica. Sim, as piadas são divertidas, mas cansam. Chego a pensar que Diablo Cody passou mais tempo pensando em sacadinhas para o seu texto do que desenvolvendo as personagens ou uma linha narrativa. Narrativa que se prende a um fiapo de trama que nunca sai do lugar. Os conflitos são praticamente inexistentes e as personagens parecem perdidas, sem função dramatúrgica.

Para piorar, vemos passagens absurdas e bizarras que não convencem. Juno decide abortar tão facilmente como decidiria trocar de roupa. Nenhum conflito. Outro exemplo é umas das primeiras seqüências do filme, quando Juno leva até a casa do seu namorado a cadeira na qual conceberam o bebê (!), coloca um tapete decorativo (!!) e espera sentada fumando um cachimbo (!!!). Um absurdo que só se justifica para criar uma seqüência engraçadinha.

Porém, nem tudo é uma catástrofe. Aliás, o filme só não vira uma piada de mau gosto por um único motivo: Ellen Page. A atriz consegue dar alguns fiapos de humanidade a uma personagem sem alma. Outro grande destaque é a personagem de Jennifer Garner, a única com alguns traços de realidade que são potencializados por uma interpretação surpreendente de uma atriz até então muito limitada em seus papéis.

A direção de Jason Reitman mostra-se preguiçosa e bem menos inspirada do que em “Obrigado por fumar”. Nenhuma grande seqüência, nenhum grande plano, nenhuma condução narrativa mais criativa.

Juno é um daqueles filmes fruto da nova indústria dos filmes independentes americanos. Ano que vem teremos mais um aleito como “queridinho”. Só tenho medo que a falta de idéias e mediocridade da grande indústria contamine este setor que se mostrou nos últimos anos como o mais fecundo e relevante do cinema dos Estados Unidos. Continuo odiando filmes fofinhos. Juno não me fisgou. Alíás, Juno não existe.