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Sobre um polonês mágico

Comecei a estudar o cineasta de nome impronunciável, Zbigniew Rybczynski, não por conta de uma paixão, mas pelas provocações que o cinema deste polonês me causava. Com o passar de todos esse anos, fui olhando para o trabalho de Zbig sem o olhar chato e burocrática de quem precisa escrever algumas páginas no fim do semestre. Resultado: meu objeto sem paixão virou um dos meus grandes amores cinematográficos.

Disponibilizo a seguir um pequeno fragmento do meu texto escrito em 2007 para o meu trabalho de conclusão de curso.

Eu poderia falar da relação passado-presente na obra do cara, sobre o Zbig como um Méliès contemporâneo, sobre cada um dos vídeos dele... mas seria bem chato. Fiz isso aqui só para fazer você procurar por aí pelo senhor Rybczynski. Quem se interessar pelo cara, manda e-mail que envio minha monografia.

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Zbig nasceu em 1949 na cidade de Lodz. Apesar do seu nascimento coincidir com o período do pós-guerra, jamais fez referência a questões ligadas a esta temática em seus filmes, como fez o também polonês Andrzej Wajda em obras como Cinzas e Diamantes (Popiól i diament, 1958) ou a outras questões políticas, com exceção de The Discreet Charm Of The Diplomacy (1984), em que faz um irônico banquete com políticos.

Após mudar-se para Varsóvia, concluiu o high school na School of Fine Arts, onde teve aulas de pintura e seus primeiros contatos com técnicas de composição, utilização de cores e texturas. Zbig trabalhou ainda como animador para a Miniature Film Study, momento em que iniciou o seu interesse pelo cinema, especialmente aquele ligado às animações gráficas.

Foi somente com sua entrada na Lodz National Higher School of Film Theatre and TV que Zbig pôde realizar os seus primeiros experimentos cinematográficos. Suas primeiras realizações, Kwadrat (1972) e Take Five (1972), possuem uma forte influência da sua aproximação inicial com a pintura.

Após sua graduação, participou de dois projetos paralelos. Primeiro tornou-se membro do Warsztat Formy Filmowej, um grupo de artistas poloneses que desejavam criar arte de vanguarda na Polônia da década de 1970. Neste grupo, o cineasta pôde participar de três filmes de Andrzej Baranski, um documentário de Wojciech Wiszniewski e da produção Dancing Hawk, de Grzegorz Krolikiewicz. No mesmo período, cooperou com o estúdio Se-Ma-For: Plamuz (1973), Zupa (1974), Nowa ksiazka (1975) e Tango (1980).

Zbig lecionou na Áustria entre os anos de 1977 e 1983, período em que realizou Weg Zum Nachbarn (1976) e Mein Fenster (1979). O cineasta ainda participou de algumas produções para a TV austríaca e colaborou com o diretor Gerald Kargl no filme Angst como diretor de fotografia, editor e co-roteirista.

Apoiou e participou do Movimento Solidariedade, que culminou com a decretação da lei marcial na Polônia, no ano de 1981, o que fez com que pedisse asilo político na Áustria. Na mesma época, Zbig recebeu um Oscar de Melhor Curta de Animação por sua produção Tango. Após o prêmio, o diretor decidiu mudar-se para os Estados Unidos com sua família, residindo na cidade de Nova Iorque.

Não demorou muito para que o cineasta se aproximasse de produções televisivas. Nos três primeiros anos em solo americano, Zbig participou de mais de trinta vídeos clipes e de produções para redes de televisão como a NBC, para qual criou The Discreet charm of Diplomacy (1984) e The Day Before (1984).

A partir de 1986, passou a utilizar a tecnologia de High Definition em todas as suas produções. Com a fundação de sua produtora em 1987, a Zbig Vision Studios, criou Steps (1987), The Fourth Dimension (1988), The Orchestra (1990) e Kafka (1992), obras que o fizeram ter maior reconhecimento internacional, algo que não acontecia desde Tango.

Em 1992, fechou o seu estúdio e mudou-se para a Alemanha, onde trabalhou no Centrum für Neue Bildgestaltung (CBF) e Kunsthochschule für Medien, entre os anos de 1994 e 2001.

No final de 2001, Zbig retornou para os Estados Unidos, dando continuidade às suas pesquisas sobre novas tecnologias cinematográficas. Em Los Angeles, onde reside até hoje, tornou-se membro do Ultimatte e iMatte, empresas que trabalham com tecnologias no campo da imagem. Atualmente, trabalha em um novo projeto chamado “The Short History of White People”, em parceria com o escritor e jornalista Eli Barbur.

Nas obras deste realizador, há uma aproximação com o que Gunning denomina de “cinema de atrações”, em que Méliès era o grande mestre. Temos no cinema de Zbig uma postura semelhante aos dos primeiros filmes: uma experiência não familiar, imprevisível e que não busca ser realista nem narrativa (do ponto de vista da narrativa clássica). O cineasta é comumente acusado de fazer apropriações de procedimentos deste tipo de cinema do início do século passado. Mas poderíamos afirmar que Rybczynski apenas faz uso de técnicas e procedimentos que já deveriam estar “superados” ou “esquecidos”? Sua obra está longe de representar uma involução ou regressão da linguagem cinematográfica. Pelo contrário, reforça a idéia de que não devemos pensar em uma separação completa entre passado e presente, tampouco que existe um progresso na arte cinematográfica, que atingimos uma linguagem ideal e final.

Rybczynski não atua no passado, tem consciência do seu tempo, das potencialidades e limitações da sua época. A tradição cinematográfica fornece bases para a criação de obras inventivas, não realizando uma simples apropriação ou retorno. A tradição funciona como elemento propulsor da criação, que não aponta somente para o uma época distante, mas também para o futuro. Sua obra é tão contemporânea como a de qualquer outro realizador da sua geração.


Grandes obras:

Tango – O filme mais comentado, o do Oscar, o que todo estudante de cinema assiste no primeiro semestre de faculdade. “Que povo mal recortado!”.

Media – “Como é que ele fez essa porra?”. “Ah, isso aí é claramente uma cópia do Chaplin...”

The Orchestra – “Ihhhh, Sokurov...Tu copiou o cara...”

Kwadrat – Nicotine, valium, vicodin, marijuana, ecstasy, and alcohol.


Vídeos:


Imagine (J.Lennon) - Zbigniew Rybczynski (1987) from Thomas Mantero on Vimeo.



Sobre o mestre Darren Aronofsky

NOTA: texto escrito em 2006. Perdão pelos erros e equívocos. Não mudei nada por respeito ao bruno de quatro anos atrás.

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Darren Aronofsky é estranho. Dos seus experimentos iniciais não podemos destacar nada. Absolutamente nada. Os curtas realizados durante seus estudos em Harvard e no American Film Institute são falhos em quase todos os aspectos. Embora possam gerar algum tipo de riso, não dão nenhum sinal do cinema que Aronofsky faria anos depois: “frio”, matemático e calculado. Nem mesmo o humor sobreviveu. No Time (1994) e Fortune Cookie (1991) são cheios de cacoetes típicos das produções em vídeo das décadas de 70, principalmente as feitas para a TV. E o cineasta parecia não estar muito preocupado em subverter ou reinventar qualquer coisa. Desse ponto de vista, suas produções são completamente descompromissadas.

Não é possível ver uma influência clara nestes primeiros trabalhos. Talvez de alguns vídeos do Norman McLaren, mas são apenas ecos. Como a Protozoa e o próprio cineasta não liberam os outros dois curtas desse período, Supermarket Sweep (1991) e Protozoa (1993), não podemos fazer uma completa generalização. Uma pena não ter acesso principalmente ao Protozoa. Neste vídeo, produzido como sua tese de formatura no AFI, Aronofsky desenvolveu as principais técnicas de filmagem que utilizaria em seus dois primeiros longas.

Para o nosso bem, há dois artistas bem distintos em uma época bem curta. O cineasta parece ter sofrido de algum tipo de envelhecimento precoce que não lhe deu rugas, mas que lhe trouxe sobriedade.

Muitos consideram Requiem for a Dream sua obra-prima. Quando vi este filme pela primeira vez no cinema, em 2001, lembro de ter ficado completamente tonto, destruído e profundamente comovido com as personagens. Hoje o considero um filme menor do que ele me pareceu na época. Aronofsky estava em Requiem testando suas potencialidade e a do próprio cinema. Um risco que poderia causar exageros ou imagens sublimes. E Requiem está recheado das duas coisas.

Para mim, π é sua grande obra. Curiosamente o seu primeiro longa após todos os desastres cometidos em Harvard e no AFI.

Para este filme, Aronofsky contou com a forcinha de amigos que dividiram os custos de produção em troca de um reembolso posterior. Deu certo. Os amigos foram reembolsados e Aronofsky saiu consagrado no Sundance Film Festival.

“π” equilibra perfeitamente a inquietação de um cineasta novato tentando (apressadamente) construir um estilo próprio e a sutiliza que compete aos mestres com anos de estrada. A tal hip-hop montage e a snorricam são usadas de forma bem menos artificial que em Requiem e a fotografia de Matthew Libatique consegue a proeza de criar locações externas claustrofóbicas, usar a saturação de imagens de forma criativa e planos improváveis que fogem da estética dos vídeos clipes, o que seria uma banalidade.

No início de “π”, Max Cohen narra um suposto trauma de infância:


“Quando eu era criança, minha mãe disse para não olhar para o sol. Mas quando eu tinha 6 anos, eu olhei. Os médicos não sabiam se eu voltaria a enxergar. Fiquei apavorado, sozinho naquela escuridão. Devagar a luz do dia penetrou através das ataduras e consegui vê. Mas algo mudara dentro de mim. Naquele dia tive minha primeira dor de cabeça.”


Ao final do filme, quando Max tem finalmente a consciência do real significado da seqüência numérica descoberta, é levado a um cenário completamente tomado por uma luz branca. Lá, tem finalmente a consciência da sua própria estrutura. Olha novamente para o Sol (Deus). Cega. Definitivamente, algo mudara em Max. Definitivamente, algo mudara em Darren Aronofsky.

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NOTA Posterior:

Continuo achando π o melhor trabalho de Aronofsky, mas tenho muita simpatia por O Lutador, um salto gigantesco após Fonte da Vida, o filme que não deu certo.

Muitos temerosos e raivosos com sua direção em Wolverine 2. Darren já deveria ter dirigido uma obra baseada em quadrinhos desde os boatos sobre Ronin e Batman... Apesar de fazer parte do time dos que detestaram a idéia, ainda acredito que o diretor tem talento suficiente para nos surpreender.

PS: Porra, Darren! O que tu fez com a Rachel Weisz? Era a Rachel Weisz, cara....