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Justa causa



Decidiu-se então pela aposentadoria. Cansou do mamoeiro tomado pelo fungo, da velha gata castrada, do rádio pouco equalizado e do mofo do armário em mogno legitimo. Solicitou que a mesa posta fosse imediatamente recolhida. A porcelana grega, os talheres de trato vagabundo, o vinho colombiano de safra esquecida. Encaixotou-se tudo. “Garfos e facas nas caixas menores, senhorita!”. A secretária titubeou em retirar a toalha em bordado inglês, o que foi prontamente repreendido com um sussurro: “Eu disse tudo, querida.” A gata fora convidada a passear na rua para nunca mais voltar. O mamoeiro derrubado em ímpetos violentíssimos de machado. Braços e pernas em deleite com o tronco que se despedaçava no ar tal qual fogos de madeira. “O que o senhor fará com o mogno? E com os talheres e porcelanas? Um absurdo deixar tudo assim, esquecido”. Pensou que poderia dar uma resposta aborrecida, mas lembrou-se de que estava se aposentando. “Encaixote, querida. Apenas encaixote...”

Sobre a agenciadora de romances

Dizia a vizinhança que não houve nenhum outro caso tão misterioso na Avenida L. Repetiam a história aos que passavam e, embora com variações cronológicas significativas, podiam contá-la com uma aparente precisão, dessas de invejar o mais experiente perito forense.

Marta Melina era uma franzina de costelas à mostra. Os dentes da frente pareciam saltar da boca de modo desesperado. Falava feito gralha gripada, o que fazia a rotina de ouví-la um exercício inevitavelmente doloroso.

Devem ter existido outras agenciadoras no mercado, mas nenhuma como Marta Melila. Era extremamente prendada em formar casais nas esquinas da Barra do Ceará. Diziam que era seu talento nato. Uma dessas coisas que religiosos creditariam ao poder divino. De fato, agenciadoras não são formadas em escolas. Não existem técnicas ou tradições que possam ser repassadas em apostilas.

Marta agia por gosto. Deliciava-se com os beijos trocados nos bancos de madeira. Gozava com as mensagens em papel ofício trocadas de casa em casa. Era extremamente precisa. Por vezes colocava perfume nos bilhetes em uma tentativa caprichosa de incentivo aos que teimavam não se amar.

Contaram-me quando criança, o que permite o perdão do leitor pelos esquecimentos da idade, que Marta passou a conversar rotineiramente com alguém que jamais era visto ao seu lado. Podiam vê-la todos os dias na praça debatendo temas com uma sombra. Era flagrada rotineiramente sorrindo para o vento. E ver Marta sorrir era sempre uma cena comovente.

As noites de conversa com o Senhor Ninguém viraram o falatório da rua. Não demorou para que os pais ouvissem o relato preocupado das vizinhas mais chegadas. Professores convocaram seguidas reuniões para esclarecimentos. Marta, uma abusada, continuou com sua amizade invisível. Inabalável.

Deram-se então os primeiros comentários sobrenaturais. Diziam que a garota conversava com um rapaz recentemente vítima de afogamento no Rio Ceará. A história causava calafrios aos estudantes da quinta série. Muitos eram os que se negavam a sentar ao seu lado. No recreio ficava isolada tomando suco de laranja em meio a conversas ao pé do ouvido com o nada.

Contam que Marta, em uma segunda-feira comum, apareceu no colégio assustadoramente simpática. Conversou com gente de carne e osso durante o recreio e convidou uma de suas colegas para um passeio na praia da Barra. A garota temeu o convite, mas aceitou temendo represálias dos que rezavam pelo afastamento do encosto.

Não há muita certeza sobre o que houve no passeio. Conta-se apenas que Marta acordou cedo no domingo, passou na casa da colega e saíram as duas caminhando em direção à praia pela Avenida Coronel Carvalho. Às 3 da tarde, gritos de desespero foram ouvidos por um raio de dois ou três quarteirões. A colega de Marta havia enchido os pulmões de água minutos antes. Aspiração em grau 4 e mortífera hipóxia. Sem chances. Marta não soube explicar o que havia acontecido. Contou apenas que, em um momento de distração, perdeu a colega de vista e só a encontrou quando banhistas corriam para beirada do mar.

A família conformou-se com a fatalidade e providenciou o velório. Ônibus chegavam carregando dezenas de olhos vermelhos que se atiravam ao caixão com uma dramaticidade caricata.

Marta passou por fria. Sem coração. Não derrubou uma lágrima até a saída do cortejo. Alguns contam que a garota esquelética, ao ver o caixão ser carregado, esboçou um acanhado sorriso enquanto sussurrava palavras no canto da boca. Alguns, até hoje, podem jurar que Marta fez a sua célebre cara de dever cumprido. Cara de mais um preciso acerto. Como uma boa e dedicada profissional ao ofício de agenciadora de romances.

Sobre eu e meu Deus

Conheci Deus aos 6 anos. Foi quando uma espinha de peixe teimou em não passar por minha garganta. Devorei incontáveis bananas e engoli quilos e quilos de farinha. Não adiantou. A espinha continuou rasgando minha traquéia sem dó. Parentes tentaram me convencer de ir ao médico, mas um tipo de medo embrionário me impediu. Preferi esperar que ela descesse por vontade própria.

Mamãe, já aceitando a teimosia, sugeriu que eu fizesse uma promessa. Explicou-me que eu deveria oferecer algum sacrifício em troca de um milagre. Não soube ao certo o que eu poderia oferecer como moeda de troca. Fiquei meio perdido por alguns dias. No fim, resolvi sacrificar o que toda criança de seis anos poderia sacrificar: um dia sem ver TV.

Não soube como agir no dia do trato. Eu não havia feito catecismo e desconhecia todos os procedimentos padrões e cerimônias para conversas com Deus. Mas naquele dia, com joelhos sobre o piso de madeira e mãozinhas unidas, tive a mais inocente e ingênua conversa com o Pai. Falei de como a espinha incomodava e ofereci meu dia sem TV em troca da cura.

No dia seguinte, acordei com a garganta limpa. Deus tocou meu sistema respiratório como um bom profissional: impecável.

Agradou-me o fato de milagres serem tão fáceis. Peguei gosto por pedidos feitos com joelhos sobre o piso de madeira e mãozinhas unidas. Pedi carros, bonecos, bolas e sapatos. Ofereci doações de bilas, dias sem ler quadrinhos e manhãs sem brigas com minha irmã.

Deus havia criado um menino mimado. E quando Deus resolveu não mais aceitar todos os meus tolos sacrifícios, perdi a fé. A birra durou até o dia em que, por medo do escuro do meu quarto, clamei por apoio divino. Percebi nesse dia que não poderia viver sem Deus. Doeu-me a constatação de que ele vivia muito bem sem mim, mas que eu dependia completamente dele.

Hoje, não faço mais escambos com Deus e não há nenhum tipo de chantagem. Não tenho o meu Pai como um financiador de milagres. Deus não cobra o meu amor e eu não cobro o amor de Deus. Não o culpo por minha vida e não há rancor algum. Não o acuso por meu coração ferido, pelo segundo assalto sofrido este ano, pelos dramas de família, por meu computador e celular roubados.

Deus é o amadurecimento criado por minhas perdas. Deus é o processo de aceitação do que não posso ter, o meu desvio de caráter, o meu ódio, o meu amor, os meus amigos, o abraço da minha mãe, meu suor pós-corrida, o sorriso de quem não conheço, os cafunés que recebo e ofereço, minha falta de ética, minha fome, minha nobreza, minhas quedas, minhas glórias, minhas mentiras, meus fios de cabelo branco, minhas risadas atrapalhadas, minha falta de lembrança, minha miopia e o meu macarrão.

Deus sou eu. Imagem e semelhança.

Sobre Sufjan Stevens e minha falta de memória afetiva


Adoraria ter uma grande história para contar sobre como conheci Sufjan Stevens, mas na há. Na verdade, não lembro nem mesmo de quando eu o ouvi pela primeira vez. E talvez seja assim sempre. Nunca sei apontar uma cronologia lógica para as minhas paixões. Nunca sei quando elas começaram ou quando acabaram. Minha memória deve ser feita com uma dessas placas já superadas e ultrapassadas no mercado. Mas eu não me importo. Está bom desse jeito.

De alguma forma Sufjan se transformou no meu cantor preferido. E talvez não haja nenhum outro cantor ou banda que eu tenha ouvido tanto. Ele é meu guru. Tenho suas músicas como uma dessas caixinhas que se retiram mensagens do dia. E o Sufjan sempre tem uma mensagem para o meu dia. Não importa o que eu ouvir.

Não sei o que me encanta em suas músicas. Talvez o fato de Sufjan ser tantos ao mesmo tempo: frágil, forte, cristão, ateu, esperançoso, pessimista, bravo e covarde. Nunca sabemos o que há de verdade no que é cantado. E, no final, isso pouco importa.

“Chicago”, "Come On! Feel the Illinoise!" ou “They Are Night Zombies!! ...” causam sensações mais intensas do que colocar os pés de fato em Illinois. E Sufjan tem a incrível capacidade de nos emocionar com que jamais pensaríamos em nos emocionar. Nenhum outro cantor ou compositor conseguiria construir uma música tão ingênua e doce sobre um serial killer (como em John Wayne Gacy Jr.) ou falar do fim do mundo com um estranho otimismo.

Talvez eu jamais veja Sufjan ao vivo. Talvez meu amor por ele acabe, volte e acabe de novo. Não sei. Tudo que sei é que não há nenhuma outra voz que me acalme tanto. Não há nenhuma outra voz que traga tanta paz independente do que diabos esteja passando por minha cabeça. E isso não é pouco.

Chicago

"all things go, all things go..." sufjan tem a incrível capacidade de acalmar minha alma e meu coração. Falarei sobre ele nos próximos dias. Acho que vai ser a coisa mais difícil de fazer. Nunca sei escrever sobre o que amo. E o Sufjan é um dos meus maiores (talvez o maior) amores.

Resumão Lollapalooza (ou algo do tipo)

Vamos lá escrever meu resumão sobre o Lollapalooza no calor do momento e ainda bêbado.

Dia 1 – Perdi meu ingresso. Ohhhh Shit! Ok, próximo!

Dia 2

Gogol Bordello: Show de bêbado para bêbados. Estava sóbrio e mesmo assim curti. Ou seja, esqueçam o que eu disse.

Friendly Fires: Aquele tipo de show que acaba e você não sabe se foi foda, se foi um lixo, uma chatice, uma festa, uma picaretagem ou algo genial. Acho que o Friendly Fires só presta como trilha sonora de balada. Acho...

MGMT: Ficou no top3 dos piores e mais chatos shows que vi na vida. Parabéns!

Foster the People: Uma prova de que tempo de carreira não é documento. Show animado, lindo, carismático etc etc etc. Eu chamaria eles pra tocar na minha formatura. Se algum dia eu fosse ter uma.

Artic Monkeys: Posso falar deles depois? Eu só queria saber o que fez o cabelo do Alex Turner ficar IMPECÁVEL o show inteiro porque eu fiquei completamente DESTRUÌDO...

Ok, um dia eu volto a falar do Lollapalloza e do Artic Monkeys. Ou seja, nunca mais.

PS: O equilíbrio sempre vem. Aprendam isso, crianças!

Sobre as pequenas coisas (bem pequenas mesmo)

O fardo de manter um blog é a obrigação inconsciente de sempre atualizar. Nunca foi uma idéia criar um diário virtual ou algo do tipo, mas sempre acho que devo o mínimo de respeito a ele. E respeito ao blog significa escrever. Ontem tive uma série de motivos para escrever bons textos, mas não tenho nada a dizer a respeito. Grandes acontecimentos quase nunca são fatores motivadores da minha escrita. Prefiro escrever sobre coisas absolutamente pequenas. Para mim, a beleza da vida está em todas essas coisas insignificantes que deixamos passar enquanto prestamos atenção nas grandes histórias. Prefiro falar sobre pedras, personagens banais ou do gosto do meu café da manhã. Sinto-me na obrigação de ser um colecionador de trivialidades.



Camila

Dizem que os amigos são a família que escolhemos ter. Não é verdade. Não escolhi ser Flamengo, não escolhi torcer Mocidade, não escolhi gostar de nenhuma das minhas bandas preferidas ou qualquer uma das minhas paixões. No máximo a gente inventa, mas acho que nem isso. E sabe qual é a resposta? Eu não sei. Eu não faço a menor idéia do que seja.

Alguns vão pensar em destino ou conspirações interpl...anetárias. Tudo bobagem. O que sei é que essas coisas não são feitas de escolhas pensadas. Não existe uma feira das paixões. Não escolhemos nossos amores como escolhemos um abacaxi maduro. Não há racionalidade nenhuma nisso.

Por razões lógicas, jamais escolheria ter grande parte dos meus amigos e a minha cara mal-humorada jamais faria de mim uma escolha óbvia. Pela razão, só escolheríamos boas pessoas e você deve estar rodeado de amigos que não necessariamente são exemplos de conduta ética ou moral.

Talvez eu não fosse uma escolha lógica da Camila. Não gostamos das mesmas músicas, não temos os mesmos critérios de beleza e discordamos politicamente em casos específicos. Camila jamais escolheria ter um amigo chorão, canceriano e maltrapilho. Não sei o que nos uniu da mesma forma que não sei o que diabos me une a qualquer um dos que eu amo.

Não escolhi ter a Camila, mas escolhi tê-la como irmã, confidente e ouvidos. Escolhi ter o colo, os abraços e os seus conselhos. Escolhi contá-la o meu melhor e o meu pior.

Hoje um monte de gente que não escolheu a Camila como amiga, sofre por não poder ter a única escolha que todos nós gostaríamos de ter: ela não ir embora.

Não terei saudades dela e não ficará nenhum pedaço da Camila no meu Coração. Ela não merece isso. Ela não merece ser partida. Não sei o que dela ficará comigo em Fortaleza. Não sei o que dela Fortaleza terá. Hoje não sei bem como agradecer tudo o que esta criatura fez por mim nos últimos tempos. A única coisa que posso dizer é que te amo. Mesmo jamais tendo escolhido um dia ter te amado.

Salgadinhos

Mamãe vendia salgadinhos e doces na feira do Conjunto Polar. A feirinha começava sábado de manhã quando eu a ajudava a fechar as coxinhas e esperava a panela para passar o dedo no restinho de cobertura de chocolate. Estendia a toalha branca de renda sobre a mesa e tentava arranjar as bandejas de alguma forma atrativa para o público.

Não havia uma doação minha. O que eu fazia por mamãe não era vo...luntariado. Ficava sentada na calçada para que as vendas fossem um fracasso. Torcia para que sobrasse todo o bolo de laranja e nenhum pedaço de torta fosse vendido. Eu sabia que as sobras sempre acabariam na minha barriga. Era o meu pagamento pelo serviço prestado.

Mamãe jamais soube que eu a sabotava secretamente. Nunca reparou a minha felicidade malvada ao me lambuzar com calda de chocolate e frango desfiado. Foi assim por meses até que as vendas começaram a crescer. Foi aí que mamãe resolveu aumentar a produção que, como muito sucesso, era toda escoada para casais apaixonados, velhinhos faceiros e meninos gordinhos.

Mas o sucesso da mamãe afetou profundamente o meu banquete ao fim da feira. Passei a ter que implorar por um pedacinho de doce ou um toquinho de torta de queijo. Mamãe nem sequer justificava. Tangia o filho pidão com um fino desdém.

Corria para o meu quarto chorar o capricho não atendido. Chutava a cama do meu irmão, vomitava os poucos palavrões que conhecia e dormia emburrado enrolado na rede. Foi ali, por conta de dois pedaços de bolo mole, que percebi que eu não podia ter tudo que eu queria.

O problema é que você descobre que não pode ter sempre o canudinho misto ou a torta de limão quando quiser, mas outros doces e salgados sempre aparecem. Outros doces e salgados sempre aparecerão. E perder a birra é um processo tão doloroso... Um processo cheio de chutes na cama e palavrões soltos em quartos vazios. Às vezes me sinto como um pivete que se aproxima de uma mesa cheia de guloseimas e que tem sua inocência reprimida por uma tia chata e dois tapinhas na mão.

O problema é que, por muito tempo, eu fui um malcriado. Nunca me deixei me reprimir por tapinhas de parentes ranzinzas. Minhas tias desconheciam as técnicas avançadíssimas para roubar beijinhos e brigadeiros com precisão cirúrgica. Mamãe nunca soube que eu secretamente apanhava pedaços de bolo fofo para comer escondido no meu quarto.

Então fiquei velho e perdi a coragem de ser malcriado. Cansei de construir estratégias mirabolantes para conseguir o que eu quero. Alguns chamariam isso de amadurecimento. Eu chamo de uma grande, imensa e bela burrice. Sonho todos os dias com a possibilidade do moleque que luta até as últimas conseqüências voltar algum dia. Tudo o que meus estúpidos 28 anos de amadurecimento me trouxeram foi a coragem de me enrolar na rede e esquecer. Tudo o que os os meus estúpidos 28 anos me trouxeram foi a certeza de que secretamente eu me saboto.

Nunca me senti tão triste por todos os bolos e salgadinhos que jamais roubei. E esse talvez seja o meu mais tolo capricho.

Teté

Teté tinha pele de sessenta e cinco anos e óculos de oitenta e quatro. Os mais antigos não sabiam ao certo quem havia chegado primeiro – se Teté ou o Bairro. Nunca houve registros oficias de namorados de esquina, filhos perdidos, desavenças com os contatos de muro ou dívidas no mecardinho da esquina.

Jamais encontrei Teté sóbria. Sua condição de bêbada profissional era tão naturalizada que os ma...is desavisados poderiam confundir cinco doses de Whisky com a caducagem da velhice. Não era. Seus poros exalavam bafo quente de álcool que não lhe permitiam nitidez de mais de três passos. Por vezes caia, mas levantava com a superiodade de rainha levada ao chão por inveja. Desprezava a areia nos joelhos com um farfalhar qualquer.

Teté era uma colecionadora. Passava os dias catando histórias do chão. Interessava-se particularmente por artefatos com origem conhecida. Era hábil em catar restos de namoros, brigas conjugais, desesperos das provas de fim de ano ou eletrônicos substituídos por uma nova condição social. Como em um gabinete de curiosidades do século XVI, Teté mantinha a história da vizinha inteira em prateleiras organizadas por casas, do número 401 ao 431.

Meus irmãos faziam uma aposta mórbida sobre quantos anos ainda sobreviveria. “Desse ano não passa”, disse o mais otimista. Mas Teté era discreta e sobreviveu por dez anos e três garrafas de Martini. Morreu em dia de Sílvio Santos de um maio qualquer. Foi enterrada torta, feia, bêbada e vestida com suéter azul. Não houve choro, lamento, remorso ou despedida.

Parentes distantes apagaram toda a sua coleção sem dó. Sapatos voltaram a ser sapatos, copos voltaram a ser copos, brincos voltaram a ser brincos. O memorial da rua virou lixo depois da queda as cinco e meia e parada cardíaca as cinco e trinta e três.

Dia desses me peguei pensando em Teté. Estava torto, feio, bêbado e vestido com três noites mal dormidas. Pensei no que de mim ela deveria ter. Pensei quais seriam as relíquias da minha vida que estariam instaladas na prateleira do número 411. Jamais soube e jamais saberei. Talvez Teté seja aquela que melhor compreendeu a minha vida até hoje.

Lamento por não tê-la mais na vizinhança. Lamento porque agora não me importo em deixar os pedaços da minha história espalhados pelo chão. Teté faria a festa com uma prateleira cheia de quinquilharias descartadas ao fim de tarde. Talvez bebêssemos algumas doses de conhaque entre conversas sobre meias, fones de ouvido e lençóis sujos.

José

Sou publicitário por indecisão, professor por gosto, cineasta desestimulado por aborrecimento, bêbado por conveniência e besta por genética. No final das contas foi tudo escolha minha. Meio que fui tentando a sorte. Todo mundo passa os anos jogando “par ou ímpar” com a vida. Não havia como ser diferente.

A única coisa que me fugiu, e ainda foge ao controle, são meus nomes. Nasci José por promess...a. Cresci Bruno por erro. Fiz-me Zé pelos amigos. Junior por parentes confusos.

O primeiro José estava para nascer em 1982. Foram tantos traumas vividos por mamãe que José I só chegou ao oitavo mês. Médicos alertaram para os riscos de uma nova gestação, mas a teimosia da Dona Elza não a deixou desistir. Foi aí que a família recorreu ao pai do menino Deus e José virou meu santificado primeiro nome. Como na música do Tiririca.

José é um desses nomes carentes. Mais do qualquer João ou Joaquim, José sempre fica choramingando pedindo um Carlos ou um Tiago para lhe completar. Por conta disso, houve uma batalha criada com lista de trezentas combinações de José com qualquer coisa. José Felipe, José Henrique, José Afonso, José Astrogildo. Mãe e madrinha votaram. Com placar apertadíssimo de 2 x 0, José Bruno ganhou.

Por descuido da madrinha e pressa da Dona Elza virei um adjetivo. Sim, senhores! Bruno é um adjetivo. Vejamos: “bru.no: adj (frâncico brûn, via provençal bruno) 1 Escuro, sombrio. 2 Pardo. 3 Infeliz”. Você pode aplicar Bruno em frases como “Ela está meio Bruno hoje” ou “o dia está Bruno em Fortaleza”. Aí eu lhes pergunto: que tipo de mãe colocaria o nome do seu filho de Bruno? Resposta: a minha. A minha e de todos os Brunos que conheço.

Passei anos rejeitando meu próprio nome. Eu, ser tão empenhado em ser do contra, com o nome mais popular do país gritando no meu RG. Até que mudei um pouco a perspectiva. De alguma forma a vinda do primeiro José foi abortada para que eu tivesse a oportunidade de estar aqui. Alguém lá em cima deve ter chegado à conclusão de que eu precisava mais. E eu não consigo ver honra maior. Foi então que decidi me empenhar na tentativa de ser o melhor José do mundo dentre todos os 5 milhões de Josés do mundo. Meu irmão Zé que jamais nasceu precisa ser honrado. Sobre o Bruno, quem se importa com a porra de um adjetivo?

Sobre um polonês mágico

Comecei a estudar o cineasta de nome impronunciável, Zbigniew Rybczynski, não por conta de uma paixão, mas pelas provocações que o cinema deste polonês me causava. Com o passar de todos esse anos, fui olhando para o trabalho de Zbig sem o olhar chato e burocrática de quem precisa escrever algumas páginas no fim do semestre. Resultado: meu objeto sem paixão virou um dos meus grandes amores cinematográficos.

Disponibilizo a seguir um pequeno fragmento do meu texto escrito em 2007 para o meu trabalho de conclusão de curso.

Eu poderia falar da relação passado-presente na obra do cara, sobre o Zbig como um Méliès contemporâneo, sobre cada um dos vídeos dele... mas seria bem chato. Fiz isso aqui só para fazer você procurar por aí pelo senhor Rybczynski. Quem se interessar pelo cara, manda e-mail que envio minha monografia.

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Zbig nasceu em 1949 na cidade de Lodz. Apesar do seu nascimento coincidir com o período do pós-guerra, jamais fez referência a questões ligadas a esta temática em seus filmes, como fez o também polonês Andrzej Wajda em obras como Cinzas e Diamantes (Popiól i diament, 1958) ou a outras questões políticas, com exceção de The Discreet Charm Of The Diplomacy (1984), em que faz um irônico banquete com políticos.

Após mudar-se para Varsóvia, concluiu o high school na School of Fine Arts, onde teve aulas de pintura e seus primeiros contatos com técnicas de composição, utilização de cores e texturas. Zbig trabalhou ainda como animador para a Miniature Film Study, momento em que iniciou o seu interesse pelo cinema, especialmente aquele ligado às animações gráficas.

Foi somente com sua entrada na Lodz National Higher School of Film Theatre and TV que Zbig pôde realizar os seus primeiros experimentos cinematográficos. Suas primeiras realizações, Kwadrat (1972) e Take Five (1972), possuem uma forte influência da sua aproximação inicial com a pintura.

Após sua graduação, participou de dois projetos paralelos. Primeiro tornou-se membro do Warsztat Formy Filmowej, um grupo de artistas poloneses que desejavam criar arte de vanguarda na Polônia da década de 1970. Neste grupo, o cineasta pôde participar de três filmes de Andrzej Baranski, um documentário de Wojciech Wiszniewski e da produção Dancing Hawk, de Grzegorz Krolikiewicz. No mesmo período, cooperou com o estúdio Se-Ma-For: Plamuz (1973), Zupa (1974), Nowa ksiazka (1975) e Tango (1980).

Zbig lecionou na Áustria entre os anos de 1977 e 1983, período em que realizou Weg Zum Nachbarn (1976) e Mein Fenster (1979). O cineasta ainda participou de algumas produções para a TV austríaca e colaborou com o diretor Gerald Kargl no filme Angst como diretor de fotografia, editor e co-roteirista.

Apoiou e participou do Movimento Solidariedade, que culminou com a decretação da lei marcial na Polônia, no ano de 1981, o que fez com que pedisse asilo político na Áustria. Na mesma época, Zbig recebeu um Oscar de Melhor Curta de Animação por sua produção Tango. Após o prêmio, o diretor decidiu mudar-se para os Estados Unidos com sua família, residindo na cidade de Nova Iorque.

Não demorou muito para que o cineasta se aproximasse de produções televisivas. Nos três primeiros anos em solo americano, Zbig participou de mais de trinta vídeos clipes e de produções para redes de televisão como a NBC, para qual criou The Discreet charm of Diplomacy (1984) e The Day Before (1984).

A partir de 1986, passou a utilizar a tecnologia de High Definition em todas as suas produções. Com a fundação de sua produtora em 1987, a Zbig Vision Studios, criou Steps (1987), The Fourth Dimension (1988), The Orchestra (1990) e Kafka (1992), obras que o fizeram ter maior reconhecimento internacional, algo que não acontecia desde Tango.

Em 1992, fechou o seu estúdio e mudou-se para a Alemanha, onde trabalhou no Centrum für Neue Bildgestaltung (CBF) e Kunsthochschule für Medien, entre os anos de 1994 e 2001.

No final de 2001, Zbig retornou para os Estados Unidos, dando continuidade às suas pesquisas sobre novas tecnologias cinematográficas. Em Los Angeles, onde reside até hoje, tornou-se membro do Ultimatte e iMatte, empresas que trabalham com tecnologias no campo da imagem. Atualmente, trabalha em um novo projeto chamado “The Short History of White People”, em parceria com o escritor e jornalista Eli Barbur.

Nas obras deste realizador, há uma aproximação com o que Gunning denomina de “cinema de atrações”, em que Méliès era o grande mestre. Temos no cinema de Zbig uma postura semelhante aos dos primeiros filmes: uma experiência não familiar, imprevisível e que não busca ser realista nem narrativa (do ponto de vista da narrativa clássica). O cineasta é comumente acusado de fazer apropriações de procedimentos deste tipo de cinema do início do século passado. Mas poderíamos afirmar que Rybczynski apenas faz uso de técnicas e procedimentos que já deveriam estar “superados” ou “esquecidos”? Sua obra está longe de representar uma involução ou regressão da linguagem cinematográfica. Pelo contrário, reforça a idéia de que não devemos pensar em uma separação completa entre passado e presente, tampouco que existe um progresso na arte cinematográfica, que atingimos uma linguagem ideal e final.

Rybczynski não atua no passado, tem consciência do seu tempo, das potencialidades e limitações da sua época. A tradição cinematográfica fornece bases para a criação de obras inventivas, não realizando uma simples apropriação ou retorno. A tradição funciona como elemento propulsor da criação, que não aponta somente para o uma época distante, mas também para o futuro. Sua obra é tão contemporânea como a de qualquer outro realizador da sua geração.


Grandes obras:

Tango – O filme mais comentado, o do Oscar, o que todo estudante de cinema assiste no primeiro semestre de faculdade. “Que povo mal recortado!”.

Media – “Como é que ele fez essa porra?”. “Ah, isso aí é claramente uma cópia do Chaplin...”

The Orchestra – “Ihhhh, Sokurov...Tu copiou o cara...”

Kwadrat – Nicotine, valium, vicodin, marijuana, ecstasy, and alcohol.


Vídeos:


Imagine (J.Lennon) - Zbigniew Rybczynski (1987) from Thomas Mantero on Vimeo.



Sobre o mestre Darren Aronofsky

NOTA: texto escrito em 2006. Perdão pelos erros e equívocos. Não mudei nada por respeito ao bruno de quatro anos atrás.

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Darren Aronofsky é estranho. Dos seus experimentos iniciais não podemos destacar nada. Absolutamente nada. Os curtas realizados durante seus estudos em Harvard e no American Film Institute são falhos em quase todos os aspectos. Embora possam gerar algum tipo de riso, não dão nenhum sinal do cinema que Aronofsky faria anos depois: “frio”, matemático e calculado. Nem mesmo o humor sobreviveu. No Time (1994) e Fortune Cookie (1991) são cheios de cacoetes típicos das produções em vídeo das décadas de 70, principalmente as feitas para a TV. E o cineasta parecia não estar muito preocupado em subverter ou reinventar qualquer coisa. Desse ponto de vista, suas produções são completamente descompromissadas.

Não é possível ver uma influência clara nestes primeiros trabalhos. Talvez de alguns vídeos do Norman McLaren, mas são apenas ecos. Como a Protozoa e o próprio cineasta não liberam os outros dois curtas desse período, Supermarket Sweep (1991) e Protozoa (1993), não podemos fazer uma completa generalização. Uma pena não ter acesso principalmente ao Protozoa. Neste vídeo, produzido como sua tese de formatura no AFI, Aronofsky desenvolveu as principais técnicas de filmagem que utilizaria em seus dois primeiros longas.

Para o nosso bem, há dois artistas bem distintos em uma época bem curta. O cineasta parece ter sofrido de algum tipo de envelhecimento precoce que não lhe deu rugas, mas que lhe trouxe sobriedade.

Muitos consideram Requiem for a Dream sua obra-prima. Quando vi este filme pela primeira vez no cinema, em 2001, lembro de ter ficado completamente tonto, destruído e profundamente comovido com as personagens. Hoje o considero um filme menor do que ele me pareceu na época. Aronofsky estava em Requiem testando suas potencialidade e a do próprio cinema. Um risco que poderia causar exageros ou imagens sublimes. E Requiem está recheado das duas coisas.

Para mim, π é sua grande obra. Curiosamente o seu primeiro longa após todos os desastres cometidos em Harvard e no AFI.

Para este filme, Aronofsky contou com a forcinha de amigos que dividiram os custos de produção em troca de um reembolso posterior. Deu certo. Os amigos foram reembolsados e Aronofsky saiu consagrado no Sundance Film Festival.

“π” equilibra perfeitamente a inquietação de um cineasta novato tentando (apressadamente) construir um estilo próprio e a sutiliza que compete aos mestres com anos de estrada. A tal hip-hop montage e a snorricam são usadas de forma bem menos artificial que em Requiem e a fotografia de Matthew Libatique consegue a proeza de criar locações externas claustrofóbicas, usar a saturação de imagens de forma criativa e planos improváveis que fogem da estética dos vídeos clipes, o que seria uma banalidade.

No início de “π”, Max Cohen narra um suposto trauma de infância:


“Quando eu era criança, minha mãe disse para não olhar para o sol. Mas quando eu tinha 6 anos, eu olhei. Os médicos não sabiam se eu voltaria a enxergar. Fiquei apavorado, sozinho naquela escuridão. Devagar a luz do dia penetrou através das ataduras e consegui vê. Mas algo mudara dentro de mim. Naquele dia tive minha primeira dor de cabeça.”


Ao final do filme, quando Max tem finalmente a consciência do real significado da seqüência numérica descoberta, é levado a um cenário completamente tomado por uma luz branca. Lá, tem finalmente a consciência da sua própria estrutura. Olha novamente para o Sol (Deus). Cega. Definitivamente, algo mudara em Max. Definitivamente, algo mudara em Darren Aronofsky.

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NOTA Posterior:

Continuo achando π o melhor trabalho de Aronofsky, mas tenho muita simpatia por O Lutador, um salto gigantesco após Fonte da Vida, o filme que não deu certo.

Muitos temerosos e raivosos com sua direção em Wolverine 2. Darren já deveria ter dirigido uma obra baseada em quadrinhos desde os boatos sobre Ronin e Batman... Apesar de fazer parte do time dos que detestaram a idéia, ainda acredito que o diretor tem talento suficiente para nos surpreender.

PS: Porra, Darren! O que tu fez com a Rachel Weisz? Era a Rachel Weisz, cara....




Sobre Guerra ao Terror e os peritos em cinema

Odeio críticos de arte da mesma forma que odeio café. Provocam enjôos, ânsia de vômito, são nojentos, fedem e me tiram o sono. Eu confesso que tenho particular repulsa por críticos de cinema. Não que eu acredite na superioridade textual, cultural ou intelectual dos entendidos de outras artes. Como sou um ignorante sobre qualquer outra forma de produção cultural, sinto-me mais confortável de confrontar os sábios da cinematografia mundial.

Agora deu para todos eles cuspirem revolta com a não vitória de Avatar no Oscar. Não entendo. Realmente não entendo. O Pedro Martins Freire (que acredita que Avatar é o maior filme da década) saiu jogando praga contra a Academia e profetizando o fim de Hollywood. O perito em vinhos Rubens Ewald Filho disse ter a Academia dado um “tiro no pé!”

Sim, senhores. A crítica que sempre cuspiu que a Academia nunca deu bola para a “arte” ou “qualidade artística”, agora se revolta com os acadêmicos que não consagraram a indústria. Não foi um tiro no pé da Academia. Foi um tapa na cara dos críticos. Vejam só: imaginem o que é prêmio que sempre honra grandes bilheterias (alimentando assim o ódio dos críticos) “repentinamente” considerar como melhor filme uma produção que TODOS os mesmos críticos disseram ser maravilhoso?

Então, os chatos se juntam e, numa virada suja, passam a defender fervorosamente o Oscar como prêmio da indústria. Vai entender...A vitória de Guerra ao Terror continua sendo um prêmio completamente americanóide. Não compreendemos esse “delírio coletivo” sobre Guerra ao Terror pelo simples fato de que não somos americanos.

Não haverá desmonte da indústria, não haverá uma recessão de astros, não haverá uma guinada para a produção independente. Nada disso. O Oscar é apenas uma dentre tantas outras peças que compõem o cinema americano. E posso garantir que bilheteria e arrecadação continuam sendo mais importante que qualquer prêmio. E disso James Cameron e seus produtores não podem se queixar.

Delírio coletivo é esse Avatar. Um encantamento tolo diante de uma nova técnica. Crianças abobalhadas com um brinquedo novo. Guerra ao Terror não é o melhor filme do ano, mas é infinitamente superior artisticamente a essa Sessão da Tarde criada por Cameron. Não é disso que vocês gostam, senhores críticos?

Sobre o gênio Quentin Tarantino

Quentin Tarantino é para os cults-nerds-descolados o que Glauber Rocha é para os feios-chatos-intelectuais: um ser intocável, inquestionável e supostamente genial. Glauber devia viver rodeado de gente igualmente insuportável e nem devia lavar os cabelos. Tarantino deve falar sem parar, citar dezenas de bandas e livros que ninguém conhece e se achar um ícone.

Tentarei explicar melhor o meu ódio por essa divindade a partir do conceito de “espectador Homem Simpson” cunhado por Willian Bonner. Tarantino deve ter a mesma expectativa diante do seu público que Bonner tem diante do seu telespectador. No lugar de uma rosquinha devorada aos montes, estão alguns gibis e um mp3 player cheio de músicas que o Homer Simpson original nunca compreenderia. No lugar da TV, um computador portátil. O Homer Nerd é ávido por demonstrar sua cultura geral diante dos tolos de nível médio.


Cabe aqui apresentar outro conceito dessa vez criado por mim mesmo: o conceito de “metáforas justificadoras”. Diante de um filme “pop”, “pipoca”, “sem cérebro”, “sem sentido”, “sem explicação”, “sobre o nada”, os críticos cinematográficos adoram usar a tática das metáforas justificadoras para explicar o porquê de terem simpatizado com a produção. Funciona assim: tudo na verdade é uma grande metáfora de alguma coisa. Exemplo: Por se passar dentro de um Shopping, Madrugada dos Mortos usa a história de zumbis para fazer uma metáfora sobre o consumo desenfreado da sociedade capitalista. Pronto. Agora não vai ser feio você dizer numa mesa de bar ou no jornal que adorou Madrugada dos Mortos. Aliás, críticos de cinema adoram encontrar metáforas em tudo.

Tarantino é comumente apontado como sendo um cineasta que utiliza uma estética pop para apresentar uma metáfora sobre a nossa cultura, tradições e vida moderna. Não senhores, Tarantino não faz metáfora de porra nenhuma. Tarantino não é antropólogo. Suas histórias são banais, seus diálogos são vazios e seus filmes são sobre nada. O nada, o vazio e a banalidade não são metáforas sobre a superficialidade (ou qualquer outra coisa). Eles simplesmente são. O nada não necessariamente é uma metáfora sobre o nada. Ele pode simplesmente ser o nada.

Daí Tarantino nos coloca diante de uma cena super longa em que várias garotas conversam sobre nada em um carro (À Prova de Morte). Muitos apontarão 300 citações pops em um diálogo estúpido. Outros apontarão milhares de pequenas metáforas. Eu vejo o nada. Recortar um fiapo de diálogo sobre sexo não faz disso algo especial. Se eu filmasse a Raquel e o Fantine conversando sobre Gays Famosos, teria uma cena muito mais inteligente, pop e interessante. Como não sou o Tarantino ninguém veria citação pop nenhuma, metáfora nenhuma e inteligência nenhuma.

Toda pessoa para ser digna de ser uma pessoa deve necessariamente odiar sem motivos racionais e ter preconceitos sem fundamentação. Eu, por exemplo, odeio Recife, odeio estudantes de estilismo, odeio secundaristas, odeio acordar antes das 8 e odeio pessoas felizes em demasia. Tenho um preconceito inexplicável por pesquisadores/artistas que se vestem de forma estranha, por instalações artísticas, coletivos artísticos e jovens cineastas cearenses. No caso do Tarantino tenho um punhado de razões para odiá-lo. O problema é que tenho uma quantidade igualmente significativa de motivos para amá-lo. Será que sou um Homer Simpson Nerd enrustido??