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Sobre roqueiros clichês

Um roqueiro clichê. Assim uma personagem descreve Blake, um jovem atormentado por uma depressão crônica e foco principal de Last Days. Tanto a obra de Gus Van Sant como uma outra de autoria do cineasta Anton Corbijn, Control - A História de Ian Curtis, tangem contextos semelhantes, homens atacados por uma melancolia sem origem específica, jovens gênios com uma alma autodestrutiva.

E como somos atraídos por astros debilitados emocionalmente. Roqueiros felizes não atraem tanto nossa atenção como os roqueiros clichês. Bono e todo o Belle & Sebastian (adoro falar deles) são um bando de chatos ou pelo menos todo mundo (ou quase todo mundo) pensa isso. Preferimos os astros malucos, drogados, inconseqüentes e depressivos. Geralmente são mais interessantes.

Conheço os trabalhos oficiais do Joy Division, mas nunca consegui me emocionar com nenhuma de suas canções. Soa-me datado. Não creio que ele tenha sido o gênio que tentam construir. Se Ian Curtis cantasse com seu Joy Division nos anos 2000, provavelmente seria apenas mais uma banda inglesa no My Space.

Sei sobre o Nirvana tudo o que alguém relativamente bem informado sobre música deve saber. Escutei todos os álbuns, não consigo entender várias das letras de Kurt Cobain e nunca fui um entusiasta da sua obra. A sonoridade do Nirvana está um pouco mais próxima da que me apraz.

Dito isso, que acho as duas bandas e seus respectivos vocalistas muito acima da média, mas abaixo do nível da genialidade absoluta, podemos passar para as obras cinematográficas em questão.

Last Days é o estilo Gus Van Sant elevado à décima potência. Todos os elementos estão lá: inexistência de clímax, raros diálogos, movimentos contidos de câmera, longos planos - seqüência e uma estrutura narrativa simplificada ao extremo.

Os filmes de Van Sant são sempre um problema. Como obras artísticas eu os considero frios e vazios. Como provocação, são geniais. Assim como Lars Von Trier, Gus Van Sant é um daqueles que não se contentam com o lugar comum, é um inquieto questionador da linguagem cinematográfica e da nossa percepção.

Estamos tão acostumados com filmes com uma estrutura narrativa tão matematicamente calculada e previsível que ver Last Days torna-se um exercício dolorido de paciência. Isso causa um incômodo terrível e ao mesmo tempo necessário.

Nossa vida é um tédio. Se pegássemos 2 horas de nosso dia e fizéssemos um longa-metragem sem edição ou grandes recursos de câmera ou luz com esse mesmo tempo, provavelmente teríamos o filme mais chato já feito pelo homem. O meu seria duas horas de um longo plano-sequência de uma mesma pessoa digitando em um teclado. Algo ótimo para uma galeria de arte se o Andy Warhol já não tivesse feito algo parecido na década de 60.

O fato é que a vida sem uma boa edição é um tédio. É esse o mote dos filmes de Gus Van Sant. Como uma luta contra o cinema clássico, o cineasta nos coloca dentro de uma situação que sai do nada para chegar ao quase nada. Last Days poderia ser exibido em praça pública, com os transeuntes acompanhando apenas pequenos trechos do filme sem nenhum prejuízo. Porém, a obra (supostamente) sobre a vida Kurt Cobain não nos diz muita coisa sobre suas personagem principal. Ficamos sem compreender as motivações e os temores de Blake.

Talvez esse tenha sido o objetivo do cineasta, como se nós observássemos uma cena da janela do nosso apartamento, sem saber quem é, o que faz, de onde veio e para onde vai a personagem observada.

Control é mais próximo do cinema tradicional. Começo, meio e fim bem definidos. Peca por trazer uma visão melodramática dos acontecimentos, algo próximo de um romance gótico. Isso interfere um pouco na condução da narrativa, mas não prejudica a qualidade elevada da película. A fotografia de Control é um primor. A utilização do preto e branco permite um jogo de luz e sombra belíssimo. Assim como Last Days é de Michael Pitt, Control é de Sam Riley. Ambos realizam um trabalho corporal impressionante. Michael Pitt teve que criar uma ação física para um filme com pouca ação dramática. Sam Riley recria os movimentos e trejeitos de Ian Curtis com perfeição.

No final das contas, Control supera muito Last Days. Só não sei qual roqueiro depressivo e viciado é o meu preferido. Acho que fico com o Ian. Ele foi menos clichê na hora de se matar.


Control - ****

Last Days - **


PS: Nunca dei estrelinhas pros filmes. É tão divertido isso...

Sobre estrelas, milhões e o meu anonimato saudável.

O cinema em seu principio era algo amador. Os filmes eram feitos por diretores oriundos do teatro ou por homens com pouco afinco com qualquer tipo de arte. O status e importância da figura do cineasta em um set é algo que só surgiria tempos depois. Os atores, por sua vez, vinham de teatros amadores, circos ou eram selecionados na rua de acordo com seus tipos físicos. Não era necessário memorizar páginas infindáveis de textos, tampouco era necessária uma interpretação arrebatadora. O importante era a atração em si. E foi assim, meio anárquico, meio desajeitado, que o cinema surgiu no início do século.

A brincadeira só começou a ficar séria quando os “homens de negócios” (com o perdão da expressão), tiveram a brilhante idéia de potencializar algo que os seus próprios criadores desacreditavam. Chegava ao fim o cinema como atração popular. Era tempo de criar uma indústria, reposicionar o cinema com arte (burguesa) e principalmente torná-lo lucrativo. Méliès, que morreu pobre e faminto pelas ruelas parisienses, não teve tempo de gozar das notas verdes que surgiriam aos montes nos bolsos de diretores, atores e principalmente produtores a partir da segunda década do século passado.

Depois disso, a história já é conhecida: surgem os imponentes e megalomaníacos cinemas-teatros, a divisão do trabalho cria muitos dos cargos que hoje conhecemos (diretores de arte, roteiristas, produtores etc) e principalmente o chamado starsystem – figuras meio mito, meio humanos que pairavam sobre o imaginário das platéias no mundo todo. Lembrem-se que até metade do século XX o cinema era realmente influente nos costumes, na moda e no estilo de vida não só de americanos.

Aqui estamos no início do século XXI, mais de 100 anos depois das primeiras exibições do cinematógrafo. As estrelas de Hollywood não representam tanto como representavam para a sociedade até meados da década de 50. Porém, continuam com seus salários milionários e alvo das lentes de fotógrafos de celebridades. E tão rápido quanto um clique da câmera de um paparazzo é a velocidade com que atores e atrizes podem ser levados à glória ou para a lama.

Imaginem o que passa na cabeça de um jovem com pouco mais de vinte anos que sai de país para tentar alcançar o estrelato (ou seria apenas trabalhar?) em um país outro. Em pouco tempo conhece pessoas influentes, consegue contratos milionários, vira um símbolo sexual, é indicado ao Oscar, casa-se com uma ex-extrela adolescente e conhece o mundo todo.

Heath Ledger alcançou o sonho americano com uma rapidez impressionante e talvez ele não estivesse preparado para isso. Se para nós os cachês milionários nos parecem absurdos, imaginem o que é viver longe da família, perder todo o contato com seus antigos amigos, ficar cercado por pessoas interessadas exclusivamente no que você simboliza, ser seguido por paparazzos 24h por dia, ter que manter a boa forma, trabalhar 20h diariamente e ainda ser cobrado por jornalistas pelo bom desempenho em suas atuações.

Não é difícil imaginar que sua ex-mulher fosse a sua única companheira, amiga e confidente realmente confiável. Após o fim do casamento, deve ter se visto sozinho, emocionalmente abalado e mesmo assim obrigado a cumprir todos os seus compromissos de estrela.

Claro que são apenas suposições. Porém, penso que um coquetel emocional dessa natureza não poderia ter um final feliz. Penso que quando vamos ao cinema não reconhecemos os seres humanos que são projetados na tela. São figuras distantes e ao mesmo tempo tão próximas. Podemos saber tudo sobre suas vidas sem nunca vê-las pessoalmente. Podemos saber todos os detalhes da vida intima das estrelas mais do que talvez os próprios familiares saibam.

Antigamente, o lado B dos astros só vinha à tona anos depois, quando algum biógrafo decidia escancarar a intimidade de estrelas que já estavam mortas. Agora não. Não é mais necessária uma investigação profunda e minuciosa. Se alguém cheira cocaína em casa, dias depois lá está um vídeo no youtube. Se alguém trai, lá estão as fotos na Internet horas depois. Será que alguém realmente irá se interessar por uma biografia da Britney Spears? Não, já sabemos de tudo. Vimos tudo.

Sinceramente, não troco minha vidinha pacata, anônima e saudável por Hollywood. Porém, fico aqui pensando: quem se lembrará de mais um Bruno quando eu morrer? Heath vai ser provavelmente o James Dean da nossa geração, será lembrado por um filme que é uma das maiores histórias de amor que o cinema já contou (um clássico de Ang Lee) e provavelmente fará o melhor vilão de um filme baseado em quadrinhos em todos os tempos. Ok, os milhões parecem realmente tentadores...