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Sobre Sufjan Stevens e minha falta de memória afetiva


Adoraria ter uma grande história para contar sobre como conheci Sufjan Stevens, mas na há. Na verdade, não lembro nem mesmo de quando eu o ouvi pela primeira vez. E talvez seja assim sempre. Nunca sei apontar uma cronologia lógica para as minhas paixões. Nunca sei quando elas começaram ou quando acabaram. Minha memória deve ser feita com uma dessas placas já superadas e ultrapassadas no mercado. Mas eu não me importo. Está bom desse jeito.

De alguma forma Sufjan se transformou no meu cantor preferido. E talvez não haja nenhum outro cantor ou banda que eu tenha ouvido tanto. Ele é meu guru. Tenho suas músicas como uma dessas caixinhas que se retiram mensagens do dia. E o Sufjan sempre tem uma mensagem para o meu dia. Não importa o que eu ouvir.

Não sei o que me encanta em suas músicas. Talvez o fato de Sufjan ser tantos ao mesmo tempo: frágil, forte, cristão, ateu, esperançoso, pessimista, bravo e covarde. Nunca sabemos o que há de verdade no que é cantado. E, no final, isso pouco importa.

“Chicago”, "Come On! Feel the Illinoise!" ou “They Are Night Zombies!! ...” causam sensações mais intensas do que colocar os pés de fato em Illinois. E Sufjan tem a incrível capacidade de nos emocionar com que jamais pensaríamos em nos emocionar. Nenhum outro cantor ou compositor conseguiria construir uma música tão ingênua e doce sobre um serial killer (como em John Wayne Gacy Jr.) ou falar do fim do mundo com um estranho otimismo.

Talvez eu jamais veja Sufjan ao vivo. Talvez meu amor por ele acabe, volte e acabe de novo. Não sei. Tudo que sei é que não há nenhuma outra voz que me acalme tanto. Não há nenhuma outra voz que traga tanta paz independente do que diabos esteja passando por minha cabeça. E isso não é pouco.

Chicago

"all things go, all things go..." sufjan tem a incrível capacidade de acalmar minha alma e meu coração. Falarei sobre ele nos próximos dias. Acho que vai ser a coisa mais difícil de fazer. Nunca sei escrever sobre o que amo. E o Sufjan é um dos meus maiores (talvez o maior) amores.

Resumão Lollapalooza (ou algo do tipo)

Vamos lá escrever meu resumão sobre o Lollapalooza no calor do momento e ainda bêbado.

Dia 1 – Perdi meu ingresso. Ohhhh Shit! Ok, próximo!

Dia 2

Gogol Bordello: Show de bêbado para bêbados. Estava sóbrio e mesmo assim curti. Ou seja, esqueçam o que eu disse.

Friendly Fires: Aquele tipo de show que acaba e você não sabe se foi foda, se foi um lixo, uma chatice, uma festa, uma picaretagem ou algo genial. Acho que o Friendly Fires só presta como trilha sonora de balada. Acho...

MGMT: Ficou no top3 dos piores e mais chatos shows que vi na vida. Parabéns!

Foster the People: Uma prova de que tempo de carreira não é documento. Show animado, lindo, carismático etc etc etc. Eu chamaria eles pra tocar na minha formatura. Se algum dia eu fosse ter uma.

Artic Monkeys: Posso falar deles depois? Eu só queria saber o que fez o cabelo do Alex Turner ficar IMPECÁVEL o show inteiro porque eu fiquei completamente DESTRUÌDO...

Ok, um dia eu volto a falar do Lollapalloza e do Artic Monkeys. Ou seja, nunca mais.

PS: O equilíbrio sempre vem. Aprendam isso, crianças!

Sobre as pequenas coisas (bem pequenas mesmo)

O fardo de manter um blog é a obrigação inconsciente de sempre atualizar. Nunca foi uma idéia criar um diário virtual ou algo do tipo, mas sempre acho que devo o mínimo de respeito a ele. E respeito ao blog significa escrever. Ontem tive uma série de motivos para escrever bons textos, mas não tenho nada a dizer a respeito. Grandes acontecimentos quase nunca são fatores motivadores da minha escrita. Prefiro escrever sobre coisas absolutamente pequenas. Para mim, a beleza da vida está em todas essas coisas insignificantes que deixamos passar enquanto prestamos atenção nas grandes histórias. Prefiro falar sobre pedras, personagens banais ou do gosto do meu café da manhã. Sinto-me na obrigação de ser um colecionador de trivialidades.



Camila

Dizem que os amigos são a família que escolhemos ter. Não é verdade. Não escolhi ser Flamengo, não escolhi torcer Mocidade, não escolhi gostar de nenhuma das minhas bandas preferidas ou qualquer uma das minhas paixões. No máximo a gente inventa, mas acho que nem isso. E sabe qual é a resposta? Eu não sei. Eu não faço a menor idéia do que seja.

Alguns vão pensar em destino ou conspirações interpl...anetárias. Tudo bobagem. O que sei é que essas coisas não são feitas de escolhas pensadas. Não existe uma feira das paixões. Não escolhemos nossos amores como escolhemos um abacaxi maduro. Não há racionalidade nenhuma nisso.

Por razões lógicas, jamais escolheria ter grande parte dos meus amigos e a minha cara mal-humorada jamais faria de mim uma escolha óbvia. Pela razão, só escolheríamos boas pessoas e você deve estar rodeado de amigos que não necessariamente são exemplos de conduta ética ou moral.

Talvez eu não fosse uma escolha lógica da Camila. Não gostamos das mesmas músicas, não temos os mesmos critérios de beleza e discordamos politicamente em casos específicos. Camila jamais escolheria ter um amigo chorão, canceriano e maltrapilho. Não sei o que nos uniu da mesma forma que não sei o que diabos me une a qualquer um dos que eu amo.

Não escolhi ter a Camila, mas escolhi tê-la como irmã, confidente e ouvidos. Escolhi ter o colo, os abraços e os seus conselhos. Escolhi contá-la o meu melhor e o meu pior.

Hoje um monte de gente que não escolheu a Camila como amiga, sofre por não poder ter a única escolha que todos nós gostaríamos de ter: ela não ir embora.

Não terei saudades dela e não ficará nenhum pedaço da Camila no meu Coração. Ela não merece isso. Ela não merece ser partida. Não sei o que dela ficará comigo em Fortaleza. Não sei o que dela Fortaleza terá. Hoje não sei bem como agradecer tudo o que esta criatura fez por mim nos últimos tempos. A única coisa que posso dizer é que te amo. Mesmo jamais tendo escolhido um dia ter te amado.

Salgadinhos

Mamãe vendia salgadinhos e doces na feira do Conjunto Polar. A feirinha começava sábado de manhã quando eu a ajudava a fechar as coxinhas e esperava a panela para passar o dedo no restinho de cobertura de chocolate. Estendia a toalha branca de renda sobre a mesa e tentava arranjar as bandejas de alguma forma atrativa para o público.

Não havia uma doação minha. O que eu fazia por mamãe não era vo...luntariado. Ficava sentada na calçada para que as vendas fossem um fracasso. Torcia para que sobrasse todo o bolo de laranja e nenhum pedaço de torta fosse vendido. Eu sabia que as sobras sempre acabariam na minha barriga. Era o meu pagamento pelo serviço prestado.

Mamãe jamais soube que eu a sabotava secretamente. Nunca reparou a minha felicidade malvada ao me lambuzar com calda de chocolate e frango desfiado. Foi assim por meses até que as vendas começaram a crescer. Foi aí que mamãe resolveu aumentar a produção que, como muito sucesso, era toda escoada para casais apaixonados, velhinhos faceiros e meninos gordinhos.

Mas o sucesso da mamãe afetou profundamente o meu banquete ao fim da feira. Passei a ter que implorar por um pedacinho de doce ou um toquinho de torta de queijo. Mamãe nem sequer justificava. Tangia o filho pidão com um fino desdém.

Corria para o meu quarto chorar o capricho não atendido. Chutava a cama do meu irmão, vomitava os poucos palavrões que conhecia e dormia emburrado enrolado na rede. Foi ali, por conta de dois pedaços de bolo mole, que percebi que eu não podia ter tudo que eu queria.

O problema é que você descobre que não pode ter sempre o canudinho misto ou a torta de limão quando quiser, mas outros doces e salgados sempre aparecem. Outros doces e salgados sempre aparecerão. E perder a birra é um processo tão doloroso... Um processo cheio de chutes na cama e palavrões soltos em quartos vazios. Às vezes me sinto como um pivete que se aproxima de uma mesa cheia de guloseimas e que tem sua inocência reprimida por uma tia chata e dois tapinhas na mão.

O problema é que, por muito tempo, eu fui um malcriado. Nunca me deixei me reprimir por tapinhas de parentes ranzinzas. Minhas tias desconheciam as técnicas avançadíssimas para roubar beijinhos e brigadeiros com precisão cirúrgica. Mamãe nunca soube que eu secretamente apanhava pedaços de bolo fofo para comer escondido no meu quarto.

Então fiquei velho e perdi a coragem de ser malcriado. Cansei de construir estratégias mirabolantes para conseguir o que eu quero. Alguns chamariam isso de amadurecimento. Eu chamo de uma grande, imensa e bela burrice. Sonho todos os dias com a possibilidade do moleque que luta até as últimas conseqüências voltar algum dia. Tudo o que meus estúpidos 28 anos de amadurecimento me trouxeram foi a coragem de me enrolar na rede e esquecer. Tudo o que os os meus estúpidos 28 anos me trouxeram foi a certeza de que secretamente eu me saboto.

Nunca me senti tão triste por todos os bolos e salgadinhos que jamais roubei. E esse talvez seja o meu mais tolo capricho.

Teté

Teté tinha pele de sessenta e cinco anos e óculos de oitenta e quatro. Os mais antigos não sabiam ao certo quem havia chegado primeiro – se Teté ou o Bairro. Nunca houve registros oficias de namorados de esquina, filhos perdidos, desavenças com os contatos de muro ou dívidas no mecardinho da esquina.

Jamais encontrei Teté sóbria. Sua condição de bêbada profissional era tão naturalizada que os ma...is desavisados poderiam confundir cinco doses de Whisky com a caducagem da velhice. Não era. Seus poros exalavam bafo quente de álcool que não lhe permitiam nitidez de mais de três passos. Por vezes caia, mas levantava com a superiodade de rainha levada ao chão por inveja. Desprezava a areia nos joelhos com um farfalhar qualquer.

Teté era uma colecionadora. Passava os dias catando histórias do chão. Interessava-se particularmente por artefatos com origem conhecida. Era hábil em catar restos de namoros, brigas conjugais, desesperos das provas de fim de ano ou eletrônicos substituídos por uma nova condição social. Como em um gabinete de curiosidades do século XVI, Teté mantinha a história da vizinha inteira em prateleiras organizadas por casas, do número 401 ao 431.

Meus irmãos faziam uma aposta mórbida sobre quantos anos ainda sobreviveria. “Desse ano não passa”, disse o mais otimista. Mas Teté era discreta e sobreviveu por dez anos e três garrafas de Martini. Morreu em dia de Sílvio Santos de um maio qualquer. Foi enterrada torta, feia, bêbada e vestida com suéter azul. Não houve choro, lamento, remorso ou despedida.

Parentes distantes apagaram toda a sua coleção sem dó. Sapatos voltaram a ser sapatos, copos voltaram a ser copos, brincos voltaram a ser brincos. O memorial da rua virou lixo depois da queda as cinco e meia e parada cardíaca as cinco e trinta e três.

Dia desses me peguei pensando em Teté. Estava torto, feio, bêbado e vestido com três noites mal dormidas. Pensei no que de mim ela deveria ter. Pensei quais seriam as relíquias da minha vida que estariam instaladas na prateleira do número 411. Jamais soube e jamais saberei. Talvez Teté seja aquela que melhor compreendeu a minha vida até hoje.

Lamento por não tê-la mais na vizinhança. Lamento porque agora não me importo em deixar os pedaços da minha história espalhados pelo chão. Teté faria a festa com uma prateleira cheia de quinquilharias descartadas ao fim de tarde. Talvez bebêssemos algumas doses de conhaque entre conversas sobre meias, fones de ouvido e lençóis sujos.

José

Sou publicitário por indecisão, professor por gosto, cineasta desestimulado por aborrecimento, bêbado por conveniência e besta por genética. No final das contas foi tudo escolha minha. Meio que fui tentando a sorte. Todo mundo passa os anos jogando “par ou ímpar” com a vida. Não havia como ser diferente.

A única coisa que me fugiu, e ainda foge ao controle, são meus nomes. Nasci José por promess...a. Cresci Bruno por erro. Fiz-me Zé pelos amigos. Junior por parentes confusos.

O primeiro José estava para nascer em 1982. Foram tantos traumas vividos por mamãe que José I só chegou ao oitavo mês. Médicos alertaram para os riscos de uma nova gestação, mas a teimosia da Dona Elza não a deixou desistir. Foi aí que a família recorreu ao pai do menino Deus e José virou meu santificado primeiro nome. Como na música do Tiririca.

José é um desses nomes carentes. Mais do qualquer João ou Joaquim, José sempre fica choramingando pedindo um Carlos ou um Tiago para lhe completar. Por conta disso, houve uma batalha criada com lista de trezentas combinações de José com qualquer coisa. José Felipe, José Henrique, José Afonso, José Astrogildo. Mãe e madrinha votaram. Com placar apertadíssimo de 2 x 0, José Bruno ganhou.

Por descuido da madrinha e pressa da Dona Elza virei um adjetivo. Sim, senhores! Bruno é um adjetivo. Vejamos: “bru.no: adj (frâncico brûn, via provençal bruno) 1 Escuro, sombrio. 2 Pardo. 3 Infeliz”. Você pode aplicar Bruno em frases como “Ela está meio Bruno hoje” ou “o dia está Bruno em Fortaleza”. Aí eu lhes pergunto: que tipo de mãe colocaria o nome do seu filho de Bruno? Resposta: a minha. A minha e de todos os Brunos que conheço.

Passei anos rejeitando meu próprio nome. Eu, ser tão empenhado em ser do contra, com o nome mais popular do país gritando no meu RG. Até que mudei um pouco a perspectiva. De alguma forma a vinda do primeiro José foi abortada para que eu tivesse a oportunidade de estar aqui. Alguém lá em cima deve ter chegado à conclusão de que eu precisava mais. E eu não consigo ver honra maior. Foi então que decidi me empenhar na tentativa de ser o melhor José do mundo dentre todos os 5 milhões de Josés do mundo. Meu irmão Zé que jamais nasceu precisa ser honrado. Sobre o Bruno, quem se importa com a porra de um adjetivo?